Thabor

Conheça aqui essa residência dos Arautos do Evangelho

By

A Obediência I

Deus é a autoridade máxima do Universo e, portanto, não deve obediência a nenhum outro ser inteligente. Sem embargo, nem Ele quis privar-se da prática dessa admirável virtude: o Verbo eterno, ao ocultar-se sob os véus de uma carne mortal, tornou-se dependente, sob certo aspecto, das outras duas Pessoas Trinitárias. Vindo à Terra, deixou-nos seu comovedor exemplo ao sujeitar-se à Santíssima Virgem e a São José, como sinal da sua obediência a Deus Pai,[i] a qual atingiria o ápice nas vésperas da Paixão: “Pai, se é de teu agrado, afasta de Mim este cálice! Porém, não se faça a minha vontade, mas sim a tua” (Lc 22, 42).

É sabido que, para nos redimir, teria bastado apenas uma gota de seu preciosíssimo Sangue. Entretanto, o amor divino excedia qualquer limite: no seio da Trindade fora decretada a consumação completa do holocausto do Filho; a Cruz deveria ser hasteada sobre o Calvário e carregar o Cordeiro imolado que assumiu sobre Si todas as nossas iniquidades. Como qualificar esse ato de obediência? Somente um adjetivo parece descrevê-lo por inteiro: divino. Cristo, “tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz” (Fl 2, 8), submeteu-se inclusive às autoridades que o condenaram, embora tivesse pleno poder para defender-se, como asseverou a São Pedro: “Crês tu que não posso invocar meu Pai, e Ele não me enviaria imediatamente mais de doze legiões de anjos?” (Mt 26, 53).

Quem ousaria, pois, ao abraçar os conselhos evangélicos, procurar outro modelo que não seja Cristo? Contudo, alguém pode dizer: “Eu me consagrei a Deus e a Ele devo obediência, mas como hei de conhecer a sua vontade, se não O vejo?”. A resposta é muito simples: “a obediência do religioso descansa sobre o fundamento sobrenatural da Fé, a qual reconhece em todo superior legítimo, qualquer que ele seja, o lugar-tenente ou vigário de Cristo”.[ii] Acatando as ordens recebidas, quem obedece pode estar certo de cumprir a vontade divina. A objeção, porém, continua: “E quando o superior cai em erro, o Ser infinitamente perfeito também me manda errar? Será mesmo que a vontade divina se identifica com a do superior?”.

Deus se adapta à vontade do superior

Há inúmeros episódios na História da Igreja que permitem comprovar o alto grau do amor de Deus pela virtude da obediência. Tomemos alguns da vida de Santa Margarida Maria Alacoque, para encontrar a resposta ao problema levantado. A famosa vidente do Sagrado Coração de Jesus tornou-se religiosa visitandina no ano de 1671 e, como sói acontecer com os grandes místicos, aqueles que os acompanham de perto correm o risco de desprezá-los ou até ridicularizá-los pelos extraordinários dons de que são objeto, pois estes costumam apresentar-se sob o véu de uma humildade profunda. Foi o caso de Santa Margarida: devido à sua aparente incompetência na vida comunitária, viu-se muito perseguida pela superiora do convento, a qual, duvidando das aparições, teve a empáfia de ordenar-lhe que pedisse a seu Jesus a tornasse mais útil.

A ordem foi cumprida e a resposta foi a seguinte: “Eu te farei mais útil para a religião do que ela pensa, mas de uma maneira somente conhecida por Mim. Doravante, adaptarei as minhas graças ao espírito da regra, à vontade de tuas superioras e à tua debilidade, de sorte que deverás ter por suspeito tudo quanto te afaste da observância exímia da regra, a qual Eu quero que prefiras a qualquer outro ato de piedade. Ademais, verei com gosto que anteponhas a vontade de tua superiora à minha, quando ela te proíbe fazer aquilo que Eu tiver ordenado. Deixa-a proceder como quiser. Eu saberei executar os meus desígnios, ainda por caminhos que pareçam contraditórios”.[iii]

Quem pode hesitar, depois destas palavras, em reconhecer que a vontade divina se encontra oculta na vontade do superior? Caso restem dúvidas, acompanhemos mais algumas verdades que transbordaram do Sagrado Coração de Jesus. Em certa ocasião, Ele repreendeu a sua vidente por prescindir de permissão superior para mortificar-se mais do que era permitido pela regra: “Enganas-te pensando agradar-Me com essas ações e mortificações que partem da tua própria vontade, ignorando a da superiora, antes do que submetendo-se a ela. Eu rejeito isso como frutos corrompidos, pois Me causam horror numa alma religiosa. Agrada-Me mais que tenhas comodidades por obediência, do que ver-te oprimida por austeridades e jejuns, por vontade própria”.[iv] São Francisco de Sales, o fundador da ordem, apareceu também a Santa Margarida e lhe disse com severidade: “Pensas poder agradar a Deus sobrepondo-te aos limites da obediência, que é o fundamento desta Congregação, e não as austeridades?”.[v] E, por último, bastou esta afirmação de Nosso Senhor para ela nunca mais transgredir qualquer regra: “O que fizeste até aqui é para Mim, o que estás fazendo agora é para o demônio”.[vi]

Invariavelmente, onde não há pecado, Deus corrobora a autoridade de um superior, pois Ele ama a ordem que pôs no Universo. Ao cumprirmos uma norma, errônea ao nosso parecer, estaremos obedecendo, mais do que a este ou àquele homem, a uma disposição divina, que é respeitar a hierarquia humana desejada por Deus. Ninguém tem o direito de se revoltar contra uma autoridade, sob o pretexto de estar fazendo algo mais razoável à ordem recebida, pois “aquele que resiste à autoridade opõe-se à ordem estabelecida por Deus, e os que a ela se opõem, atraem sobre si a condenação” (Rom 13, 2). Devemos ser submissos “a toda autoridade humana” (1Pd 2, 13), e não somente àquelas que julgamos serem boas e justas, “porque não há autoridade que não venha de Deus” (Rom 13, 1).

Somente existe um caso no qual um súbdito nunca deve obedecer: quando lhe ordenam expressamente cometer qualquer pecado, ainda que venial. Foi o que sucedeu, por exemplo, aos Apóstolos diante das autoridades religiosas da época. Ao serem forçados a ocultar a verdade revelada por Deus, guardando silêncio a respeito do nome de Jesus, São Pedro e São João responderam perante o sinédrio: “Julgai vós mesmos se é justo diante de Deus que obedeçamos a vós mais do que a Ele.” (At 4, 19). Nesse momento, calar talvez tivesse sido o maior pecado de omissão em toda a História, pois nenhuma autoridade ultrapassa o infinito e imutável poder de Deus sobre as suas criaturas. Assim, ninguém está obrigado, em consciência, a obedecer algo que Ele condena. O próprio São Paulo – portador do poder divino a que grau! – esclarece, dirigindo-se aos de Corinto, ser a “autoridade que o Senhor nos deu, para vossa edificação e não para vossa destruição” (2 Cor 10, 8), e não há pior ruína do que ofender a Deus violando qualquer ponto das suas divinas palavras. Portanto, sempre se deve obedecer um superior, excetuados os casos nos quais é patente a infração à vontade de Deus, revelada nas Escrituras e na Sagrada Tradição.

Continua num próximo post…

Texto: Sebastián Correa Velásquez


[i] Cf. Catecismo da Igreja Católica. n. 532.

[ii] Espinosa Polit, Manuel María. La obediencia perfecta: comentario a la carta de la obediencia de San Ignacio de Loyola. 2 ed. México: Jus, 1961. p. 9.

[iii] I. G. Vida de la Beata Margarita María de Alacoque: religiosa de la Visitación de Santa María, orden de San Francisco de Sales, de quien se sirvió para establecer la devoción al Sagrado Corazón de Jesús. Barcelona: Librería de Francisco Rosal, 1864. p. 52-53.

[iv] Idem, p. 66.

[v] Idem, p. 46.

[vi] Idem, p. 66.

 

By

Os Conselhos Evangélicos

Há, nos Evangelhos, palavras do Divino Mestre que se destinam ao comum dos homens, como mandatos a serem cumpridos, sem exceção. No entanto, em outras ocasiões, Nosso Senhor dirige-se a grupos mais restritos, como aos seus discípulos, aconselhando paternalmente modos de viver para aqueles que O quisessem seguir num caminho excepcional, à procura de maior perfeição. Eis o que conhecemos como Conselhos Evangélicos: uma vocação para configurar-se mais plenamente ao próprio exemplo de vida dado pelo Filho de Deus.

*     *     *

No Paraíso, Deus concedera ao homem domínio perfeito sobre toda a natureza, a começar pelo seu próprio corpo, pois nenhum instinto escapava ao controle da vontade governada pela inteligência, a qual era iluminada pela Fé. Enquanto permanecesse obediente ao seu Criador, ele conservaria esse equilíbrio – chamado dom de integridade – que somente um pecado de orgulho poderia arrebatar de seu ser, precisamente por não ter em nada desregradas as inclinações inferiores.[1]

Nossos primeiros pais pecaram e, como castigo pela transgressão ao preceito divino, a Criação passou igualmente a desobedecer-lhes. Assim eles perderam também aquela harmonia perfeita do estado de inocência. Acenderam-se três movimentos desordenados no interior dos homens: “a concupiscência[2] da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida” (1 Jo 2, 16), ou seja, a tendência desregrada para os prazeres dos sentidos, para o apego desmedido aos bens terrenos e para satisfazer os delírios da vontade própria desvirtuada.

Nessa trágica situação, valeu-nos a misericórdia divina que enviou à Terra o seu próprio Filho, a fim de resgatar nossa decaída condição. Dádiva altíssima e insuperável, pela qual a Santa Igreja não receia exclamar: “Ó feliz culpa que nos mereceu tal e tão grande Redentor!”.[3] Sim, o próprio Criador do Universo assumiu nossa carne, para nela curar as chagas abertas por Adão. Ao morrer no Calvário, Cristo devolveu-nos copiosamente a vida sobrenatural, pois “onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5, 20), e, por meio da Igreja e dos Sacramentos nascidos de seu flanco, Ele deposita em nossas almas a semente da Graça, a qual se desenvolve de diversas maneiras, conforme a vocação à qual se destine cada batizado.

Os frutos da Redenção

Infinitos e universais são os frutos nascidos da sagrada árvore da Cruz. Porém, os homens não se beneficiam deles por igual, como ensina a parábola do semeador. Além das sementes que morreram sem nada produzir, três são as categorias das plantadas em terreno fértil, as quais igualmente tiveram de morrer, mas deram frutos, rendendo quantidades diferentes: “uma cem, outra sessenta e outra trinta” (Mt 13, 8). Jesus, nessa ocasião, explicou aos seus discípulos estar referindo-se aos fiéis que ouvem e observam a palavra de Deus (Cf. Mt 13, 23), morrendo para o pecado e para si mesmos. Contudo, surge uma pergunta: a quem caberá render o cem por um, o imolar-se por completo?

O caminho para alcançar a salvação é a observância de todos os preceitos divinos, resumidos assim por Nosso Senhor: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu pensamento (Cf. Dt 6, 5); e a teu próximo como a ti mesmo (Cf. Lv 19, 18)” (Lc 10, 27). Eles são obrigatórios para todo católico, em qualquer estado de vida, a fim de perseverar na Graça Divina e poder entrar na Bem-aventurança eterna. Porém, um número restrito de batizados recebe do Divino Mestre um convite excepcional para não se restringir aos meios habituais. Chama-os a renunciar a tudo o que possuem (Cf. Lc 14, 33), para trilhar um caminho especial de maior perfeição, vivendo já nesta Terra “como os Anjos do Céu” (Mt 22, 30). Esses são conhecidos na Igreja Católica com o nome de “religiosos”, os quais, ao seguirem mais de perto Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo “caminho apertado” e pela “porta estreita” (Cf. Mt 7, 14), experimentam quão  copiosa é a Redenção que n’Ele se encontra (Cf. Sl 129, 7).[4]

A vocação religiosa

Na Antiga Aliança, a vocação consagrada era rara, pois quem não tinha descendência facilmente via-se discriminado pelos demais, ao estar privado de ser ancestral do Messias. Além do mais, as posses materiais, em especial a de terras, eram consideradas como um sinal de predileção e benquerença divinas. O advento de Cristo, porém, reverteu essa situação: seu Reino não é deste mundo (Jo 18, 36) e realiza-se no interior dos corações! Ele mesmo afirmou serem seus familiares aqueles “que ouvem a palavra de Deus e a observam” (Lc 8, 21). Assim, por meio de seu divino exemplo de desapego às coisas desta Terra, abriu-se nova e esplêndida via de santificação.

Em certa ocasião, estando na Judeia, um jovem aproximou-se d’Ele e perguntou: “Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?”. Respondeu Jesus: “Observa os Mandamentos”. Disse-Lhe o jovem: “Já os tenho observado desde a minha infância. O que ainda me falta?” Cristo, com grande amor, fixou nele o olhar e acrescentou: “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois vem e segue-Me!”. O jovem foi-se cheio de tristeza, pois era muito rico e não queria acatar o convite do Mestre (Cf. Mc 10, 17. 20; Mt 19, 18. 21). “Jesus disse, então, aos seus discípulos: Em verdade vos declaro: é difícil para um rico entrar no Reino dos céus! […] Pedro então, tomando a palavra, disse-Lhe: Eis que deixamos tudo para Te seguir; que haverá então para nós? Respondeu Jesus: Em verdade vos declaro: […] todo aquele que por minha causa deixar irmãos, irmãs, pai, mãe, mulher, filhos, terras ou casa, receberá o cêntuplo e possuirá a vida eterna” (Mt 19, 23. 27-29).

Com efeito, donde provém essa força para tudo deixar e configurar-se plenamente com Cristo, pobre, casto e obediente? Ela provém da voz do próprio Deus encarnado, capaz de incutir a Graça nas almas: “Segue-Me!”. Esse foi o convite dirigido a muitos de seus discípulos, como a Filipe (Cf. Jo 1, 43) e a Mateus (Mt 9, 9). Para outros terá sido por meio de um gesto ou talvez um olhar, mas era sempre a divina vontade que, almejando um assentimento ao chamado, impelia interiormente seus eleitos: “Não fostes vós que Me escolhestes, mas Eu vos escolhi e vos constituí para que vades e produzais fruto, e o vosso fruto permaneça” (Jo 15, 16).

À semelhança do moço rico, Jesus olha com amor seus escolhidos e aconselhando paternalmente: “Se quereis ser perfeitos, vinde e segui-Me!” (Cf. Mt 19, 21), parece dizer-lhes: “Vinde para serdes transformados em outros Eu mesmo!”. Magnífica promessa para aqueles que se imolam por completo nas mãos de Nosso Senhor, deixam tudo e O seguem! Tornam-se sementes de fruto abundante, pois, ao ouvirem e observarem com maior perfeição os Conselhos Evangélicos de Pobreza, Castidade e Obediência, subtraem-se à herança do pecado, morrendo para a tríplice concupiscência. Ao renunciarem aos seus bens, entregam a Deus a capacidade de possuir, praticando com integridade a virtude da pureza, consagram-Lhe seus corpos e acatando com alegria as determinações de seus superiores, submetem-Lhe a inteligência e a vontade.

Essa vocação constitui um milagre maior do que fazer um cego ver ou um paralítico caminhar, pois visa diretamente a transformação de uma alma – finalidade última inclusive das curas corporais operadas por Cristo –,[5] elevando-a a um estado de vida pelo qual subjuga o procedimento natural das leis da carne, prenunciando assim a Bem-aventurança Celeste.[6] Se o religioso corresponde a esse convite divino, perseverando na contínua procura da perfeição, conquista grandíssimo prêmio na Eternidade!

A vida em comunidade

Entretanto, a realização dessa entrega não é algo abstrato. Na História da Igreja surgiram inúmeros meios para torná-la efetiva, sendo o mais difundido e apropriado dentre eles a vida em comunidade, pois “é onde os conselhos evangélicos de pobreza e obediência recebem aplicação e realização concretas”.[7] Devido aos crescentes perigos do mundo, às suas maléficas solicitações e conforme as necessidades da Esposa Mística de Cristo, a Santa Igreja, o Espírito Santo suscitou, ao longo dos tempos, diversos fundadores de famílias espirituais que congregam em suas fileiras vocações consagradas, as quais se dedicam, em primeiro lugar, à mútua santificação, segundo carisma próprio da fundação.[8]

Ao ingressar numa comunidade, “guiado pelos superiores, ajudado pelos seus irmãos, sustentado pelas regras, as quais determinam até os mínimos detalhes aquilo que deve fazer, o religioso sentirá a realidade do Corpo Místico de Cristo”.[9] Assim, “quando ele sem verdadeira e autêntica necessidade consegue subtrair-se habilmente de algum aspecto da vida comunitária para se entregar a seus próprios gostos, comodidades ou caprichos, ‘autoexcomunga-se’ da corrente de graças vinculada por Deus àquela vida comunitária. Seu desventurado engenho acarretou-lhe uma perda espiritual incalculável”.[10]

Sim, enorme é o prejuízo dos religiosos que se afastam em algo do amor à perfeição… Quantos Santos eles têm como exemplos a imitarem! Muito mais, eles têm o próprio Deus encarnado, primeiro e exímio praticante dos seus divinos conselhos: quem tudo possuía, despojou-se da sua altíssima condição, para nascer numa gruta! São Paulo no-lo recorda: “Vós conheceis a bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, fez-se pobre, a fim de vos enriquecer mediante a sua pobreza” (2 Cor 8, 9). Também “a castidade religiosa […] é verdadeiramente querer ser como Cristo; todas as razões que se podem apresentar esvanecem-se diante desta razão essencial: Jesus era puro”![11] E, finalmente, “o conselho evangélico de obediência é o chamado que provém da obediência de Cristo ‘até a morte’ (Fl 2, 8)”,[12] pois, “assim como pela desobediência de um só homem foram todos constituídos pecadores, pela obediência de um só todos se tornarão justos” (Rm 5, 19)!

Texto: Sebastián Correa Velásquez


[1] Cf. São Tomás de Aquino. Suma Teológica. I-II, q. 89, a. 3, ad. 3.

[2] A doutrina católica entende por concupiscência a tendência para o pecado, portanto, toda inclinação que contrarie o reto ditame da razão iluminada pela Fé. “O Apóstolo Paulo a identifica com a revolta que a carne provoca contra o ‘espírito’. Provém da desobediência do primeiro pecado. Transtorna as faculdades morais do homem e, sem ser pecado em si mesma, inclina-o a cometê-lo” (Catecismo da Igreja Católica, n. 2515).

[3] Vigília Pascal: Proclamação da Páscoa. In: Missal Romano. Trad. Portuguesa da 2a edição típica para o Brasil realizada e publicada pela CNBB com acréscimos aprovados pela Sé Apostólica. 9 ed. São Paulo: Paulus, 2004, p.275.

[4] Cf. João Paulo II. Exortação apostólica Redemptionem Donum. n. 1.

[5] Cf. Suma Teológica. III, q. 44, a. 3, ad. 1.

[6] Cf. Código de Direito Canônico, can. 573.

[7] Gambari,  Elio. La vida común, apud Royo Marín, Antonio. Teología de la perfección cristiana. 12 ed. Madrid: B.A.C, 2007, p. 861.

[8] Cf. Sartre Santos, Eutimio. La vita religiosa nella storia della Chiesa e della società. Milano: Ancora, 1997, p. 19.

[9] Gambari,  Elio. La vida común,  apud Royo Marín. Op. Cit., p. 862.

[10] Royo Marín. Op. Cit., p. 862.

[11] João Paulo II. Encontro do Santo Padre com as religiosas. n. 3. Paris, 31 maio 1980.

[12] João Paulo II. Exortação apostólica Redemptionem Donum. n. 13.

By

“Tu lhe rogarás e ele te ouvirá, e cumprirás os teus votos” (Jó 22, 27)

O mês de agosto foi marcado por uma data histórica para os arautos do Thabor, como para os de muitas outras localidades.

No dia 29, festa do martírio de São João Batista, teve lugar na Basílica de Nossa Senhora do Rosário (Serra da Cantareira-Caieiras SP,) a primeira cerimônia de emissão de votos temporários para membros, não sacerdotes, da Sociedade Clerical de Vida Apostólica Virgo Flos Carmeli.

27 aspirantes, dos quais 17 residem no Thabor, realizaram os mencionados votos, nas mãos do superior geral, Mons. João Scognamiglio Clá Dias, prometendo praticar os Conselhos Evangélicos de Castidade, Pobreza e Obediência, segundo o modo de vida expresso nas constituições dessa sociedade.

Graça imensa, pois o seguimento de Nosso Senhor Jesus Cristo por meio da prática mais perfeita dos seus divinos conselhos é penhor de grande recompensa na Eternidade (Cf. Mt 19, 28-29)

Queremos, pois, de certo modo, tornar os frequentadores do blog thabor.arautos.org partícipes das bênçãos recebidas nesse dia, não só compartindo-lhes algumas fotos, mas também dedicando uma série de quatro próximos posts para aprofundar, mais um pouco, o conhecimento teológico e espiritual desse extraordinário tesouro que são os conselhos evangélicos.

Aguarde-os!

Texto: Sebastián Correa Velásquez

By

Dormitório ou cemitério?

Ninguém precisa ser profeta para prever que um dia há de morrer, pois para isso basta estar vivo. Se fizermos um levantamento das pessoas que nasceram há cem anos, pelo menos 98% delas já terá deixado esta Terra. Conforme pesquisas mundiais, a cada dia morrem aproximadamente duas pessoas por segundo. A morte, sem dúvida, é uma realidade cotidiana.

Os cemitérios no-lo recordam continuamente, mas há um detalhe contido no nome desses lugares que é essencial para um cristão saber. Na Grécia antiga, cemitério era o nome com o qual se designava um dormitório: κοιμητήριον (koimetérion). Por que então os cristãos foram escolher o nome “dormitório”  para chamar o lugar onde se enterram os corpos? Porque a Ressurreição dos mortos é um dogma de Fé, doutrina da Santa Igreja, revelada pelo próprio Nosso Senhor Jesus Cristo.

O cristão sabe que a morte não é o fim de tudo, mas, pelo contrário, é o nascimento da alma para a eternidade, aguardando a Ressurreição dos corpos, os quais, por assim dizer, dormem um sono profundo à espera do último dia, pois, “quando for dado o sinal, à voz do arcanjo e ao som da trombeta de Deus, o mesmo Senhor descerá do céu e os que morreram em Cristo ressurgirão primeiro” (1 Tessalonicenses 4, 16).

Assim, sempre que virmos numa lápide mortuária a sigla R.I.P., lembremo-nos: Requiescat In Pace, que descanse em paz não só a alma desse falecido, mas também descanse em paz o seu corpo, porque se este foi habitado por uma alma que conservava a Graça de Deus, só pode ser plácido o seu repouso, pois um dia ele há de ressurgir para a Glória.

Quadro do Hospital Santa Caridad, em Sevilha (Espanha)

By

Os Sibaritas não existem mais?

Como é sabido, os presentes gregos não costumam ser muito convenientes para quem os recebe… Na Antigüidade, já Tróia teve a oportunidade de comprová-lo ao ganhar o célebre cavalo de madeira.

Os gregos também souberam presentear a velha região do Lácio (atual Itália central). A ela viajaram com o intuito de divulgar os seus costumes e fundar diversas cidades, algumas das quais marcaram profundamente a história da “bota” itálica. Ainda hoje, é possível visitar muitas das ruínas dessas antigas cidades. Sem embargo, há uma da qual nada restou: Síbaris.

Fundada em 720 a.C, foi uma das mais importantes colônias helênicas, contudo, acabou sendo corroída por um dos defeitos mais avassaladores que existem:  a indolência. Algumas das razões de essa cidade ter desaparecido por completo ecoam ao longo dos tempos; como também, pitorescos episódios, os quais pelo seu caráter absurdo, invariavelmente provocam o riso.

Conta-nos Sêneca, um dos mais eruditos romanos do século I a.C, a história de certo homem sibarita que dera-se à rara tarefa de recobrir o seu precioso divã com pétalas de rosa, a fim de usufruir ao máximo o conforto noturno oferecido por tão macias e aromáticas flores. No dia seguinte, qual não foi o desgosto do seu vizinho ao ter de aturar os protestos do acomodado homem, pois este não conseguira conciliar o sono!  Qual fora a causa de tal desgraça, perguntou-lhe assombrado o primeiro. O outro alegou não ter conseguido fechar as pálpebras para descansar, pois uma pétala amassada, abaixo das suas costas, tinha-lhe irritado a pele…

Quantas histórias como esta já ouvimos contar.  Muitas talvez cheguem a tocar na lenda, entretanto, não estarão muito longe da realidade desse povo… O certo é que vivia entregue ao gozo da vida e seu péssimo comportamento acarretou-lhe a ruína, tornando-se uma advertência para todos os tempos.

Síbaris tinha seus desfiles militares como uma das mais importantes comemorações. Os trajes eram folgados e caricatos.  Nas festas que se seguiam, a comida era abundante até o excesso e, como não podia faltar, as danças eram intermináveis.

Ano após ano, começaram a achar sem graça o passo da cavalaria, o qual lhes parecia demasiado repetitivo.  Então, os sibaritas deram-se o trabalho de amestrar os seus cavalos, a fim de também estes fazerem parte das coreografias. Após muitas tentativas, conseguiram finalmente incluir o elemento eqüino nos seus ridículos bailes.

Entretanto, em 510 a.C, essa cidade do sudeste da “bota” itálica entrou em guerra contra Crotona, a qual ficava a 110 quilômetros de distância em direção ao sul.

Era chegada a hora do combate… Fileiras cerradas, capacetes apertados, lanças em riste! Tudo parecia estar preparado, mas somente lhes faltava uma coisa: o tirocínio. Os sibaritas encetaram a sua numerosa carga de cavalaria e, nesse instante, os crotoneses aproximaram as suas “armas secretas” dos lábios e simplesmente, com um belo concerto de gaita, puseram a dançar toda a cavalaria dos rivais…

Só isso foi suficiente para comprar o desastre de Sibaris!  Que fiasco! De tal maneira a sua população foi dizimada e as suas construções destroçadas que, hoje em dia, não se conhece de modo exato a sua localização geográfica.

Uma consideração final. Torna-se desnecessário provar, para qualquer homem, que os bens terrenos passam. Basta observar a realidade. Ora, quem neles deposita a sua felicidade, cedo ou tarde, acabará perdendo-a. Por isso, os sibaritas não só perderam a batalha, mas também, a aparente felicidade da qual se gabavam.

E, com muita propriedade, o termo “sibarita” passou a ser utilizado, ao longo da História, para denominar alguém entregue à indolência e ao gozo da vida. De fato, Síbaris desapareceu para sempre, mas, às vezes, ao nos depararmos com certo tipo humano frequentemente observado no mundo moderno, somos levados a nos perguntar: Será verdade que aquele povo da Antiguidade, de algum modo, não deixou descendência?

Texto: Sebastián Correa Velásquez

By

Santo Afonso e o Rosário

Santo Afonso Maria de Ligório, nos últimos anos da sua vida, encontrava-se já muito doente. Sofria de paralisia nas pernas e seu pescoço permanecia continuamente inclinado.

Como um refrigério no meio desse sofrimento, ele era levado de cadeira de rodas, por um irmão religioso, pelos corredores e redondezas do mosteiro,  enquanto rezavam o Santo Rosário.

Algumas vezes aconteceu de os dois não conseguirem recordar em que conjunto de mistérios tinham parado a recitação do Rosário. O irmão, preocupado pela saúde de  Santo Afonso, dizia-lhe então:

– Certamente estamos no último… O senhor se encontra muito cansado e seria melhor ir prontamente a repousar.

A resposta não se fazia esperar:

– Irmão, o senhor não sabe que se eu deixar passar um dia sem rezar o Rosário completo, posso comprometer a minha salvação eterna?

E o santo fazia questão de começar novamente a recitação do Rosário!

Esse era o zelo pela salvação eterna do maior moralista, também doutor da Igreja, de quem ficou proverbial esta frase, colhida em um dos seus livros: “Quem reza se salva e quem não reza se condena”.

Sim, deixando de completar diariamente esse elo que o unia à Santíssima Virgem, o santo tinha presente que as suas forças em algo se debilitariam e, das próximas vezes, seria fácil dizer: “é verdade, irmão, vamos dormir”. E quem sabe, tempo depois, poderia vir a triste afirmação: “hoje não dá para rezar…”.

Como grande moralista, Santo Afonso tinha bem claro que o cometer um pecado grave, merecedor do inferno, é algo preparado muito anteriromente pela debilitação da alma, o que com facilidade se dá quando se descuida a prática assídua da oração (ver mais, a esse respeito, em post do dia 20 de agosto).

Texto: Fernando Tamura

By

2º ano visita o Convento da Luz e seu museu de arte sacra

A meados de Agosto, o conjunto de estudantes do 2º ano, pertencente ao colégio internacional Arautos do Evangelho –  Thabor, visitou, na cidade de São Paulo, o célebre Convento da Luz e seu museu de arte sacra.

A abençoada igreja do convento é privilegiada por resguardar os restos mortais do primeiro santo canonizado, oriundo desta terra de Santa Cruz: Santo Antonio de Santana Galvão. Contruída em estilo barroco, muito próprio àquela época, o templo atrai a devoção de inúmeros fiéis, os quais o visitam diariamente, a fim de se beneficiarem das bençãos desse local e também para pedirem às religiosas – cuja clausura é um monumento de fidelidade em meio à moderna São Paulo – as famosas pílulas de Frei Galvão, as quais tem alcançado inúmeros milagres e cujo segredo, além da intercessão do santo, é a frase nelas contida: “Post partum Virgo inviolata permansisti. Dei Genetrix intercede pro nobis” – após o vosso parto, ó Virgem, permanenceste sempre intacta. Santa Mãe de Deus intercedei por nós! 

O Pe. David Ritchie juntamente com a  professora de História, Maria Helenice, levaram o mencionado grupo de alunos ao Convento da Luz, a fim de rezarem diante do túmulo de Santo Antonio de Santana Galvão e conhecerem o museu de arte sacra onde se conservam, além de valiosas imagens e objetos sacros, também as relíquias desse grande santo e motivo de glória para todo o Brasil.

Texto: Sebastián Correa Velásquez / FotosJoão Paulo Rodrigues

By

Nos ares… a Santa Hóstia!

Quem adentra pelas ruas de Turim, ao percorrer as suas numerosas igrejas, terá a sua curiosidade despertada ao encontrar, no lado direito do altar de um desses templos, uma curiosa inscrição em latim, na qual se lê: “Recordem aqui o milagre, ajoelhem-se, venerem e olhem com temor um lugar sagrado”. O que significará isso?

Graves guerras atormentavam a Itália em 1453. Entre outras batalhas travadas nesse ano, está o entrechoque dos soldados do Piemonte com as tropas de Anjou e Loraine, o qual se deu nas redondezas do povoado de Exilles. Por medo da guerra, os habitantes desta cidade abandonaram as suas casas e inclusive as igrejas ficaram vazias. Quando as tropas do Piemonte cruzaram a cidade, aproveitaram a solidão para saqueá-la.

Ora, como a guerra era movida por interesses laicos, meramente territoriais, a piedade não era o forte daqueles soldados e, por isso, nem mesmo os recintos sagrados foram poupadas. Um deles entrou na igreja local e, aberindo à força o tabernáculo, roubou a custódia e pouco lhe importou saber que nela estava a Hóstia consagrada. Guardou o objeto num saco, o qual pôs sobre um burro que, misteriosamente, o deixava cair constantemente ao longo do percurso. De qualquer modo, o ímpio soldado conseguiu vender a custódia ao primeiro mercador viandante…

Poucos dias depois, na tarde de 6 de junho desse mesmo ano, na cidade de Turim, em frente à igreja de São Silvestre, uma cena estranha estava sendo presenciada: a multidão observava certo homem que não cessava de maltratar o seu burro de carga, com chutes e pancadas. De repente, um saco que estava nas costas do animal escorregou caindo na praça e espalhou todo o seu conteúdo pelo chão.

Todos os olhares incidiram sobre os objetos, especialmente sobre um ostensório. Para surpresa de todos, ele começou a brilhar de tal modo que todos tinham de tampar as vistas. Ao mesmo tempo, o ostensório começou a elevar-se do solo, parando a uma altura de 5 metros. O Bispo foi chamado ao local e, quando ele chegou, a custódia se abriu sozinha e desceu até as mãos do clérigo, depois de deixar a Sagrada Hóstia suspensa no ar, rodeada por uma auréola deslumbrante.

O purpurado, tomado de enlevo, entoou um canto gregoriano em latim, acompanhado por todo o povo: “Mane nobiscum Domine!” – Ficai conosco, ó Senhor! –. A Santa Hóstia começou então a descer em direção ao sagrado vaso que o Bispo havia trazido, e nele tendo deslizado, todo o povo empreendeu uma jubilosa procissão rumo à Catedral. Imediatamente, a Santa Sé foi avisada do acontecido.

Prontamente começaram inúmeras peregrinações, provindas de todas as regiões da Europa, para visitar o local do milagre, onde foi erigida, pouco depois, a Basílica do Corpus Domini. Um belo relicário também foi confeccionado para guardar a Sagrada Hóstia, a qual se conservou intacta. Muitos outros milagres se operaram graças às preces dirigidas à Hóstia miraculada.

Em 1584, por ordem da Santa Sé, a Hóstia foi consumida, após ter-se conservado por 131 anos sem nenhuma deterioração. Magnífico milagre para afervorar a nossa Fé no Santíssimo Sacramento dos altares!

Texto: Fernando Dalpiaz

By

Uma curiosidade: o maior poliglota da História

A pessoa que mais línguas falou, em toda a História, foi um Cardeal chamado Joseph Mezzofanti, filólogo italiano. Falava sessenta línguas e mais de trinta dialetos, sendo o chinês o idioma que mais demorou em aprender: custou-lhe apenas seis meses…

Em certa ocasião na véspera de uma batalha, certo soldado alemão procurou-o com o intuito de se confessar, mas o Cardeal, que naquele tempo era somente padre, ainda não conhecia esse idioma estrangeiro. Porém, movido pelo desejo de ministrar o Sacramento, aprendeu a língua alemã em uma noite!
Em 1849, Dom Joseph Mezzofanti faleceu, recitando as suas últimas preces em oito línguas.

Texto: Douglas Rodrigues

By

A primeira pizzaria

Há muito tempo o homem saboreia a pizza. Como todo prato antigo, é difícil descobrir com exatidão a sua origem, ainda mais se pensarmos que ela não é mais do que uma variação do pão.

Desde a descoberta da fermentação da massa de trigo e do forno (graças ao talento dos egípcios, há mais ou menos quatro mil anos atrás) muitos povos souberam cozinhar pães das mais diversas formas e com os mais diversos ingredientes. Especialmente inventivos foram os gregos e os romanos, os quais criaram o “moretum”: massa não fermentada derivada do pão, com ervas aromáticas e cebolas.

Porém, não queremos deixar de contar um episódio histórico para a culinária mundial. No ano de 1889, em Nápoles, um padeiro muito pobre, passava de casa em casa pedindo às famílias um pouco de massa. Quando a recebia colocava-a num grande recipiente e, no final dessa peregrinação, voltava para a sua padaria, colocando fermento à massa coletada. No dia seguinte, quando começava a trabalhar essa massa, achou que um pouco de queijo por cima iria muito bem. Ao pôr a massa no forno, pensou que ela iria crescer normalmente como qualquer pão, mas algo diferente aconteceu: o queijo abafou seu crescimento e ela ficou achatada…

O padeiro ficou angustiado, pois, quem iria comprar esse pão horrivelmente achatado? Ao chegar um freguês, o vendedor disse lamentando-se:

– Perdoe-me senhor, acabaram os pães! Só tenho um que não cresceu…

O comprador respondeu:

– Não tem nada! O quero assim mesmo.

Esse freguês era amigo próximo de uns monarcas italianos, os quais estavam  passando algun­s dias em seu palácio. Ao degustar o pão, seu paladar percebeu tratar-se de algo fora do comum… Tanto gostou que, como bom italiano comunicativo, foi imediatamente para as habitações do rei Humberto I e da Rainha Margherita, e disse-lhes:

– Caros soberanos, acabo de comer um “pão” delicioso, cujo nome ignoro, mas, caso queirais, posso trazer-vos aqui quem o preparou, a fim de que também possais experimentá-lo.

Ouvindo a resposta afirmativa, o homem foi logo procurar o padeiro e lhe disse:

– Prepare, por favor, daquele “pão” que o senhor me vendeu. É estupendo! E a rainha o quer provar.

Surpreso, foi logo fazer do mesmo “pão”. E, sabendo que a rainha gostava muito da bandeira italiana, colocou-lhe pomodoro (tomate), muzzarela (mussarela) e basilico (manjericão), formando o conjunto tricolor vermelho, branca e verde. Ao ficar pronto o estranho “pão”, levou-o à rainha, a qual se encantou com aquelas cores e, mais ainda, com o sabor. Ela disse ao padeiro:

– Como se chama este “pão”?

O jeitoso italiano respondeu:

–Chama-se “alla Margherita!”, perdão… “la

pizza alla Margherita!

A rainha, impressionada, fez-lhe a proposta de ser o cozinheiro oficial da corte. Sentaram-se e continuaram a comer a deliciosa pizza Allá Marguerita. E, nesse mesmo ano, em Nápoles fundou-se a primeira pizzaria.

Texto: Johnathan Inocêncio Magalhães

By

Um blog digno de nota: Fidelium Animae

Alguns dias atrás, o blog thabor.arautos.org recebeu o comentário de um autor denominado “Fidelium Animae“. Ficamos curiosos por saber de quem se tratava e, primeiramente, pensamos ser alguém que usava esse pseudônimo, por algum motivo desconhecido. Ora, qual não foi nossa boa surpresa quando descobrimos tratar-se de um blog dedicado à devoção e oração por esses nossos irmãos falecidos, os quais expiam as suas faltas terrenas: as santas almas do Purgatório.

Home page do blog intitulado “Fidelium Animae”

Realmente causou-nos alegria saber que há, na Igreja Católica, fiéis tão impregnados do salutar aroma da caridade cristã, que se dedicam a usar o amplo e moderno meio de comunicação chamado internet, para interceder e pedir orações por esses sofredores que um dia também palmilharam a Terra hoje pisada por nós.

Quão agradados devem mostrar-se o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria ao verem filhos soprados por sentimentos de misericórdia, em relação a outros,  seguramente desconhecidos, que padecem justas penas. Sim, isso torna a ação mais meritória ainda, pois não se trata simplesmente de pedir pelos seus, mas de praticar uma caridade despretensiosa, humilde, desinteressada, permeada de zelo pelas salvação de todos os homens, o que a assemelha fortemente à própria caridade de nosso Divino Redentor.

Parabéns ao blog Fidelium Animae pelo bom exemplo! Continuem desempenhando esse belo labor de intercessão pelos nossos irmãos falecidos, pois seguramente, quando eles estiverem contemplando eternamente o nosso Criador, lembrar-se-ão de rogar também por aqueles que lhes dedicaram preciosos minutos da sua existência terrana, a fim de dar-lhes um apoio, ampará-los por meio da oração, implorar para eles o socorro d’Aquela que há dois milênios é a consoladora dos aflitos.

Consolatrix aflictorum, ora pro nobis!  Fidelium animae per misericordiam Dei requiescant in pace, Amen!

Texto: Sebastián Correa Velásquez

By

Mãe de Deus e da Igreja: Lembrança do Curso de Férias III

Com este terceiro post, finalizamos a publicação do livreto-lembrança (ver anteriores: I e II) distribuído aos participantes do último Curso de Férias dos Arautos do Evangelho, o qual teve lugar no Thabor. Desejamos aos leitores que Nossa Senhora os faça cada vez mais crescer na devoção a Ela, pois, se Deus quis vir ao Mundo por meio d’Ela, não há melhor caminho para a Ele chegarmos do que colocarmo-nos nas suas maternais mãos, a fim de que Ela nos cubra com o seu celeste manto.

Já no Gólgota, local onde se consumou a fundação da Santa Igreja, Nosso Redentor quis depositar a Divina Instituição em maternais mãos, antes de completar o seu sacrossanto holocausto. Essa plantinha imortal, que logo se tornaria árvore frondosa, regada pelo preciosíssimo Sangue, estava ali representada pelo único Bispo que, nesse momento crucial, não abandonara o Divino Mestre: São João. Os católicos de todos os tempos, há mais de dois mil anos, fazem ecoar com gáudio as palavras pronunciadas por Jesus pendente da Cruz, com as quais também nós fomos entregues aos cuidados da Santíssima Virgem: “Mulher, eis aí teu filho”, isto é, a Igreja, “filho, eis aí a tua Mãe!”;e dessa hora em diante o discípulo A levou para a sua casa” (Jo 19, 27). Sim, a Mãe da Cabeça, que é Cristo, devia sê-lo também do seu Corpo Místico, que é a Igreja.[1]

 A Virgem Maria nos Evangelhos Nas passagens do Evangelho em que a Santíssima Virgem aparece, transluz a imensa predileção e riqueza de privilégios com os quais Deus quis favorecê-La. Só o “Ave cheia de graça” (Lc 1, 28), pronunciado pelo anjo, aponta o oceano de amor divino que cumulou Nossa Senhora. Sem embargo, esses mesmos episódios são também como as pontas de um véu que discretamente se levantam, deixando entrever o tesouro de misericórdia que, em Maria, Jesus reservava para dá-lo a conhecer à humanidade, ao longo dos tempos.

Nos Evangelhos, destacam-se, em primeiro lugar, os misteriosos acontecimentos do Nascimento e da infância de Nosso Senhor Jesus Cristo:

O desposório de Maria com São José (Mt 1, 18-25);  A anunciação e a Encarnação (Lc 1, 26-38);  A visita a Santa Isabel (Lc 1, 39-56); • O divino Nascimento (Lc 2, 1-20);  A circuncisão de Jesus (Mt 2, 22-23; Lc2, 21-40);  A adoração dos Reis Magos (Mt 2, 1-12);Ÿ  A fuga e o retorno do Egito (Mt 2, 13-15. 19-23); Ÿ A perda e o encontro no Templo (Lc 2, 41-52).

Após o Batismo do Senhor, a Virgem Maria reaparece nos Evangelhos, mostrando, por primeira vez, a sua “onipotência suplicante”, nas bodas de Caná. Ela intercedeu junto ao seu Filho para que remediasse a falta de vinho, operando ali o milagre inaugural da sua vida pública (Jo 2, 1-11).

Nossa Senhora será mencionada novamente pelos Evangelistas no relato da Paixão do Senhor, junto à Cruz (Jo 19, 25).

E, graças a São Lucas, também sabemos que Ela acompanhou os Apóstolos no Cenáculo, após a Ascensão de seu Filho (At 1, 14), para com eles implorar a vinda do Divino Espírito Santo.

 Corredentora e Medianeira Todos esses episódios das Sagradas Escrituras são marcados por um denominador comum: neles se vislumbra a incomparável vocação da Santíssima Virgem. Ela gerou e “preparou uma Vítima para a salvação dos homens; a sua missão foi também a de guardar e alimentar essa Vítima, e apresentá-la no tempo oportuno para o sacrifício”.[2] Ela “participou de tal maneira das dores do Filho que, se fosse possível, preferia infinitamente assumir sobre si todos os tormentos que Ele padecia”.[3]

Assim, essa profunda relação entre maternidade e sacrifício fez com que Nossa Senhora se associasse de maneira muito íntima às graças da Redenção.[4] “Enquanto dependia d’Ela, imolou o seu Filho, de sorte que, com razão, pode-se afirmar: Ela redimiu o gênero humano junto com Cristo. E, por esse motivo, toda espécie de graças que recebemos do tesouro da Redenção é ministrado como que através das mãos da mesma Virgem Dolorosa”.[5] Por isso, Nossa Senhora é chamada, a justo título, Co-redentora do gênero humano e Medianeira ou “Dispensadora universal de todas as graças que se concederam ou se concederão aos homens, até o fim dos séculos.”[6]

 Os dogmas marianos Ao longo da História do Cristianismo, o aparecimento das heresias, e outros fatores, levaram a Igreja a proclamar solenemente os dogmas, ou seja, as principais verdades da Fé reveladas por Deus, que nos foram transmitidas pela Escritura ou pela Sagrada Tradição, nas quais os católicos devem crer firmemente, a fim de salvaguardar de maneira íntegra o dom divino da Revelação. Os dogmas que se referem diretamente a Nossa Senhora são:

1o Maternidade Divina Professa que a Santíssima Virgem é verdadeiramente Mãe de Deus, segundo a humanidade, ou seja, que forneceu a seu Filho Jesus uma natureza humana semelhante à d’Ela.[7] Este dogma foi proclamado solenemente no pontificado de Clementino I (422-432), durante o Concílio de Éfeso (431): “Se alguém não confessar que o Emanuel é Deus no sentido verdadeiro e que, por isso, a Santa Virgem é Mãe de Deus (pois gerou segundo a carne o Verbo de Deus feito carne), seja anátema”.[8] A Maternidade Divina é o mais alto dom recebido por Maria e, por causa dele, Ela foi ornada de todos os demais privilégios.

2o Virgindade Perpétua Professa que Nossa Senhora permaneceu Virgem antes, durante e depois do Nascimento de Jesus. Essa verdade encontra-se em todas as primeiras formulações de Fé da Igreja (os primeiros Credos).[9] São Leão Magno (440-461) definiu que o Unigênito de Deus “foi, de fato, concebido do Espírito Santo no seio da Virgem Mãe, que o deu à luz, permanecendo intacta a sua virgindade, assim como com intacta virgindade o concebeu”.[10] O sínodo de Latrão (649), convocado por Martinho I, declarou anátema quem não confessasse esse dogma.[11]

3o Imaculada Conceição Professa que Maria foi isenta completamente do pecado original, desde o primeiro instante da sua existência no ventre materno. Foi proclamado solenemente pelo Beato Pio IX, em 8 de Dezembro de 1854, por meio da bula Ineffabilis Deus: “Declaramos, proclamamos e definimos: a doutrina que sustenta que a Beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua conceição, por singular graça do Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha da culpa original; essa doutrina foi revelada por Deus e por isto deve ser crida firme e constantemente por todos os fiéis”.[12]

4o Assunção Professa que a Santa Mãe de Deus, por singularíssimo privilégio, subiu em corpo e alma aos Céus, após o término da sua vida terrena. Foi proclamado por Pio XII, no dia 1o de novembro de 1950, por meio da constituição apostólica Munificentisimus Deus: “Proclamamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que a Imaculada Mãe de Deus, a sempre Virgem Maria, completado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial”.[13]

♦ A “Ave Maria” Apesar de alguns historiadores considerarem o Sub tuum presidium como a primeira oração composta a Nossa Senhora, devido à recente descoberta de um documento do séc. III, partindo da nossa Fé nas Sagradas Escrituras, nós, verdadeiramente, podemos considerar como a mais antiga oração aquela que foi recitada, por primeira vez, pela uma voz de um anjo: “Ave, cheia de graça, o Senhor é convosco” (Lc 1, 42); e, logo depois dessa, temos o cântico de Santa Isabel: “Bendita sois Vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre(Lc 1, 42). A junção dessas duas saudações constituiu uma única oração, que, no séc. iv, já era habitualmente empregada desse modo, inclusive dentro da liturgia oriental, herdeira do apóstolo São Tiago, após o rito da Consagração.[14]

Entretanto, a piedade dos fiéis não se sentia satisfeita. Como corolário desse ato de louvor, era necessário fazer um ato de súplica. Por isso, paulatinamente, foi-lhe sendo acrescentada uma segunda parte: “Santa Maria, Mãe de Deus; rogai por nós pecadores; agora e na hora de nossa morte”. Estava assim composta a “Ave Maria” como a conhecemos até hoje. Ela somente foi introduzida, de maneira oficial, na liturgia do Ocidente em 1568, pelo Papa São Pio V, com a publicação do Breviário Romano, mas, desde longa data, já era uma prática comum de piedade na Igreja Católica.

♦ O Santo Rosário O fato de as palavras da Ave Maria serem tão gratas à Santíssima Virgem, impeliu os cristãos a multiplicarem o número de vezes da sua recitação, na esperança de tornarem-se, como que, um eco daquelas saudações evangélicas que tanto A encheram de alegria. À imitação do devocionário mais famoso de todos os tempos, o Livro dos Salmos, criou-se então o costume de rezar um total de 150 Ave Marias (ver nota sobre os mistérios Luminosos) [15], as quais depois foram divididas em dezenas, encabeçadas pelo Pai Nosso, meditando-se, em cada uma delas, um dos principais mistérios da nossa Redenção. Dessa maneira nasceu o Santo Rosário, o qual que é uma “síntese de todo o Evangelho”.[16] Ele é um pequeno tesouro de conteúdo teológico, uma obra-mestra que ensina doutrina Católica até aos mais modestos  e, sobretudo, um conciso compêndio de espiritualidade acessível a todos.

♦ O culto de hiperdulia Apenas dois cuidados devem ser tidos em relação à devoção a Nossa Senhora: primeiro, nunca deixar de crescer na devoção a Ela e, sem sombra de dúvida, não render-Lhe culto de adoração, pois unicamente Deus deve ser adorado. Entretanto, tão importante é a missão de Maria no plano da Salvação, que devemos prestar-Lhe atos de louvor e devoção superiores, os quais recebem o título de hiperdulia. Recordemo-nos que, se Deus é Onipotente em seu Ser, a Santíssima Virgem o é quanto à sua súplica. Por isso, aspirar a alguma graça sem confiá-la a Nossa Senhora, no dizer de Dante, é como ter o anelo de voar sem asas.[17] Nunca deixemos, pois, de tudo pedir através de nossa Medianeira celeste!

Texto: Sebastián Correa Velásquez


[1] Cf. Catecismo da igreja católica. n. 726. 963-965. Missale romanum. Die 1 Ianuarii, Post Communionem; paulo vi. Marialis Cultus. n. 11.

[2] Pio x. Carta Encíclica Ad diem illum lætissimum. n. 12.

[3] São Boaventura. I sent. d. 48. ad Litt. dub. 4.

[4] Cf. Catecismo da Igreja Católica. n. 618.

[5] Bento xv. Carta Apostólica Inter sodalicia. 22 de maio de 1918.

[6] Pio ix. Bula Ineffabilis Deus. n. 2.

[7] Cf. Royo Marín. Antonio. La Virgen María: Teología y espiritualidad marianas. Madrid: BAC, 1968. p. 92-93.

[8] DH. n. 252. (Denzinger, Heinrich; Hünermann, Peter. El magisterio de la Iglesia: Enchiridion symbolorum, definitioum et declarationum de rebus fidei et morum. Barcelona: Herder, 2000).

[9] Cf. DH. n. 10-64.

[10] Cf. DH. n. 291.

[11] Cf. DH. n. 503.

[12] Cf. DH. n. 2803.

[13] Cf. DH. n. 3903.

[14] Cf. Reus, João Batista. Curso de Liturgia. 3 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1952. p. 54; Messori. Vittorio. Hipótesis sobre María: hechos, indicios, enigmas. Tradução de Lourdes Vásquez. Madrid: Libroslibres, 2007. p. 266.

[15] O Beato João Paulo II acrescentou mais cinquenta Ave Marias ao Santo Rosário, ao incluir os mistérios Luminosos por meio da Carta Apostólica Rosarium Virginis, de 16 de Outubro de 2002.

[16] Catecismo da Igreja Católica. n.917.

[17] Cf. Dante Alighiere. La Divina Commedia. Paradiso. Canto xxxiii.

By

O Pai Nosso: Lembrança do Curso de Férias II

Continuamos compartindo aos leitores o texto, já iniciado em anterior post, do livreto-lembrança que foi presenteado aos participantes do último Curso de Férias, intitulado: “A Oração”.

 A antiguidade pagã concebeu inúmeras divindades… Desde o sol até um ressequido tronco de árvore, uma besta selvagem ou um fantasioso monstro, tudo era endeusado e em sua honra se ofereciam até os mais absurdos sacrifícios humanos. O homem recorria, pois, aos estranhos desvarios da sua imaginação para satisfazer a necessidade instintiva de remontar à causa primeira do Universo. Entretanto, em meio a tantos deuses, não se conhece algum cuja representação tenha sido a de um bom pai, realidade tão simples, que, talvez por isso mesmo, nem fosse considerada. Mas era essa a imagem mais completa que, de seu verdadeiro Criador, o homem naturalmente poderia conceber.

 Antigo Testamento Mesmo o povo eleito, quando invocava oralmente seu Criador, usava a expressão “Adonai” (Senhor), substituindo o nome revelado por Deus a Moisés (“yhwh”, Javé), o qual, após o exílio da Babilônia, não podia ser pronunciado. Por outro lado, a utilização do termo “pai”, em relação a Deus, aparece escrito em algumas passagens do Antigo Testamento, em três sentidos: a) Deus é chamado “Pai” enquanto constituiu para si um povo e uma linhagem real;[1] b) Deus é comparado a um pai;[2] c) em tempos messiânicos, Deus será considerado verdadeiramente um Pai.[3] Assim, tais referências não deixam de ser prenúncios em relação à verdade que Nosso Senhor Jesus Cristo iria claramente revelar: a adoção sobrenatural, a participação dos homens na própria natureza divina.[4]

 Novo Testamento Eis como deveis rezar: Pai Nosso que estais no Céu” (Mt 6, 9). Mais de quatro mil anos tinham se passado, no início dos quais a humanidade provocara a sua própria “orfandade” por haver pecado. Tão consoladora expressão – “Pai Nosso” – só poderia brotar, com toda a propriedade, dos lábios do Deus encarnado que quis assumir a nossa carne e, em nosso meio, dizer: “Filhinhos! Doravante, chamai-me novamente de Pai!”. Cristo fazia uma revelação inaudita: “A todos aqueles que O receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1, 12), “e nós o somos de fato” (1 Jo 3, 1)!

Contudo, não todos quiseram receber essa altíssima dádiva. Os seus inimigos “procuravam, com maior ardor, tirar-Lhe a vida, porque […] afirmava que Deus era seu Pai” (Jo 5, 18). A Igreja, durante os primeiros séculos da sua existência, teve de transmitir de modo cauteloso a oração preceituada pelo Senhor, pois, tanto nas sinagogas quanto entre os pagãos, era uma doutrina inaceitável. Assim, o Pai Nosso tornou-se um verdadeiro sinal de reconhecimento, o primeiro símbolo da Fé para alguém identificar-se cristão, nessa época de perseguições. E, até hoje, nas palavras prévias à sua recitação durante a Santa Missa, transparece esse caráter de proclamação de uma verdade que fora impugnada pelo mundo: “obedientes à palavra do Salvador e formados por seu divino ensinamento, ousamos dizer…”.

 O Pai Nosso A Oração do Senhor, ou Dominical (do latim Dominus), é perfeita. Ela é um “resumo de todo o Evangelho”[5] e serviu de guia para a piedade dos católicos de todos os tempos. “Não há nenhum aspecto das nossas preces ou orações que não esteja compreendido nesse compêndio da doutrina celestial”.[6] As suas petições são como as sete cores que conformam o arco-íris de uma nova aliança entre o Céu e a Terra, um caminho luminoso que nos conduz diretamente aos tesouros da misericórdia divina. As três primeiras súplicas exercitam no cristão as virtudes teologais (Fé, Esperança e Caridade), porque se dirigem diretamente a Deus: “o vosso nome, o vosso Reino e a vossa vontade”; as quatro restantes imploram, no seu conjunto, proteção e auxílio divinos na prática das virtudes cardeais (Justiça, Temperança, Fortaleza e Prudência), e constituem propriamente o apelo dos filhos a seu divino Pai: “dai-nos, perdoai-nos, não nos deixeis cair e livrai-nos”.

Na Oração Dominical, antes dos pedidos, invocamos com fé a quem eles se dirigem – “Pai Nosso, que estais no Céu” – e em seguida os fazemos:

1o Santificado seja o vosso nome – Em primeiro lugar, pedimos o mais importante, ou seja, a glória de Deus, que Ele seja conhecido e reverenciado por todos.

2o Venha a nós o vosso Reino – O nosso segundo maior desejo é que todos possamos participar da glória eterna e, para isso, impulsionados pela esperança, pedimos, o quanto antes, a segunda vinda de Cristo, a fim de que Ele reine definitivamente e a sua Graça habite para sempre no interior dos fiéis.

3o Seja feita a vossa vontade assim na Terra como no Céu – Mas, para que os homens mereçam entrar na glória celestial, pedimos que todos observem os Mandamentos da Lei de Deus.

4o O pão nosso de cada dia nos dai hoje – Nesta súplica, não pedimos somente o pão que um dia fenece, ou seja, os meios necessários para o nosso sustento material, mas, uma vez que devemos praticar a virtude da Justiça, cumprindo em tudo a vontade de Deus, só o conseguiremos por meio da assistência diária de sua Graça, especialmente ao receber o “nosso” Pão da Vida: a Eucaristia.

5o Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido – Imploramos-Lhe perdão por todas as ocasiões nas quais trocamos a sua amizade pelo amor desregrado a alguma criatura, cometendo algum pecado. E, como penhor para sermos atendidos, oferecemos-lhe o sacrifício do nosso orgulho, perdoando aqueles a quem Ele mesmo está disposto a perdoar.

6o E não nos deixeis cair em tentação – Tendo reconhecido a nossa debilidade, pedimos-Lhe a fortaleza necessária para não ofendê-Lo mais e que a vitória sobre as tentações aumente a nossa firmeza no bem.

7o Mas livrai-nos do mal – A Oração do Senhor encerra-se com uma cláusula que nos recorda não ter nenhum poder sobre nós o Maligno, se não lhe é dada permissão do alto. E são, precisamente, os nossos pecados os que arrancam essa autorização divina, pela qual Deus permite sermos castigados pelo demônio, com tentações e tormentos, os quais servem para pagarmos, em parte, a pena devida às nossas faltas. Por isso, nesta súplica, também pedimos para ser libertos do pecado, a fim de que o autor do mal não possa nos aprisionar com os seus laços.

♦ Quem conforma a sua vida segundo os princípios contidos no Pai Nosso é um perfeito cristão. Esperemos não passe um dia da nossa existência sem o recitarmos! Ele já nos acompanha desde o começo da nossa caminhada rumo à salvação, quando no Batismo os nossos padrinhos o rezaram, e será ele que nos despedirá deste mundo, quando o sacerdote o recitar enquanto o nosso corpo desce para a sua última morada.

TextoSebastián Correa Velásquez


[1] • “É assim que agradeceis ao Senhor, povo frívolo e insensato? Não é ele teu Pai, teu Criador, que te fez e te estabeleceu?” (Dt 32, 6) • “Assim fala o Senhor: Israel é meu filho primogênito” (Ex 4, 22) • Deus, referindo-se ao filho do rei Davi, diz: “Eu serei para ele um pai e ele será para mim um filho” (2 Sm 7, 14).

[2] • “Tratá-los-ei benignamente como um pai trata com indulgência o filho que o serve” (Ml 3, 17) • “Como um pai tem piedade de seus filhos, assim o Senhor tem compaixão dos que o temem” (Sl 102, 13) • “A estes provastes como um pai que corrige, mas a outros provastes como um rei severo que condena” (Sb 11, 10).

[3] • “Um menino nos nasceu, um filho nos foi dado; […] e ele se chama: Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz” (Is 9, 5) • “Que lugar, dissera eu, vou conceder-te entre meus filhos […]? E eu acrescentara: Chamar-me-ás: meu pai, e não te desviarás de mim” (Jr 3, 19) • “Cerquemos o justo […]. Ele se gaba de conhecer a Deus, e se chama a si mesmo filho do Senhor! […] e gloria-se de ter Deus por pai” (Sb 2, 12-13. 16).

[4] Cf. Ternant, Paul. Pais & Pai. In: Léon-Dufour, Xavier (dir.). Vocabulário de Teologia Bíblica. 10 ed. Tradução de Simão Voigt. Petrópolis: Vozes, 2009. p. 691-699.

[5] Tertuliano, De oratione, I, 6.

[6] São Cipriano. De oratione dominica. 9.

By

A Oração: Lembrança do Curso de Férias I

Em anterior post, tivemos a oportunidade de contar aos leitores qual foi o presente que receberam os participantes do último Curso de Férias, no mês de Julho. Agora queríamos compartir-lhes, ao longo de três posts, o texto do livreto-lembrança que eles ganharam, o qual continha o resumo das principais matérias tratadas ao longos das reuniões e teatros. Esperamos lhes sirva para se aprofundarem nesse tema fundamental da vida cristã, que é a oração, o qual deve modelar, em especial, o perfil de um arauto do Evangelho.

 Sem o alimento não é possível a vida. Caso ele venha a faltar-nos, logo nos acometem debilidade e doenças, quando não a morte. Também é assim a nossa alma, cujo “alimento” é a oração. Se esta é abandonada, não tarda a vontade em enfraquecer-se, cedendo lugar às enfermidades do pecado, fazendo-se necessária a medicina espiritual da Confissão. Ora, quanto empenho dedicamos diariamente ao corpo, a fim de não o vermos fenecer! Por que não havemos de cuidar com igual esmero daquela que é imortal e a parte mais importante do nosso ser? Sem a oração não é possível a vida eterna, por isso, “bem sabe viver, quem sabe rezar bem”.[1]

 No Novo Testamento  Nosso Senhor Jesus Cristo teve como um dos seus principais objetivos ensinar-nos a rezar. Como procedia Ele face aos seus sofrimentos humanos? Retirava-se a lugares ermos e elevava fervorosas súplicas ao Pai. Os autores sagrados transmitiram-nos, a esse respeito, inúmeros conselhos da doutrina do Divino Mestre. Eis alguns: “Até agora, não pedistes nada em meu nome. Pedi e recebereis, para a vossa alegria ser completa” (Jo 16, 24); “Alegrai-vos sempre, orai sem cessar, em todas as circunstâncias, dando graças”  (1 Ts 5, 17-18); “Não vos inquieteis com nada! Em todas as circunstâncias apresentai a Deus as vossas preocupações, mediante a oração” (Fl 4, 6-7).

 Espécies – A oração pode ser: a) mental ou vocal; b) privada, quando se reza em nome próprio, ou pública, quando a oração é feita em nome da autoridade da Igreja, por alguém apto para isso, por exemplo, um sacerdote durante a celebração da Santa Missa.

 Eficácia – “Tudo o que pedirdes em oração, crede que o recebereis, e tê-lo-eis” (Mc 11, 24). A oração é um recurso onipotente – desde que satisfaça as devidas condições –,  porque a sua força reside no ilimitado poder de Deus. “A oração é a força do homem e a debilidade de Deus”,[2] pois, como Ele tudo pode, é solícito em nos atender. Por isso, “nada há mais poderoso do que um homem que reza”.[3]

 Necessidade – A oração constitui parte tão essencial da Religião que, quando alguém a abandona, já não se pode dizer a seu respeito, com toda a propriedade, que é um católico fiel. A final, somos nós os que precisamos da oração, e não Deus.

1o Ela constitui um dever de: a) adoração; b) ação de graças; c) pedido de perdão.

2o É necessária para a nossa salvação. Quem reza, certamente se salva e quem não reza, certamente será condenado. Todos os bem-aventurados, exceto as crianças, salvaram-se pela oração. Todos os condenados se perderam porque não rezaram. Se tivessem rezado, não se teriam perdido. E este é e será o maior desespero no inferno: o poder ter alcançado a salvação com facilidade, pedindo a Deus as graças necessárias. E, agora, esses miseráveis não têm mais tempo de rezar”.[4] Nosso Criador “quer salvar-nos, entretanto, quer salvar-nos como vencedores”.[5] “É vigiando na oração que não se cai na tentação (Cf. Lc 22, 40. 46) ”.[6]

 Condições para ser atendida Pode acontecer de nem sempre obtermos exatamente o que pedimos, pois Deus nos ama e sabe o que mais nos convém. Um pai que atenda todos os desejos de seu filho, mesmo aqueles que lhe são prejudiciais, não o ama de verdade. Nosso Pai celestial não é assim. Por isso, temos de rezar por amor e não por interesse. Se quisermos nos beneficiar da magnífica promessa de Cristo – “O que pedirdes ao Pai em meu nome, Ele vo-lo dará” (Jo 16,23) – devemos satisfazer quatro condições:[7]

1o Pedir por si mesmo, pois, obter a salvação, e tudo o que a ela nos conduz, é principalmente um dever pessoal; assim, quando se reza pelos outros, é necessária também a sua correspondência à graça, para alcançar o que se pede;

2o Pedir algo necessário para a salvação eterna, porque não pode ser atendido, em nome de Jesus, um pedido que possa comprometê-la;

3o Pedir com piedade, entregando-nos nas mãos de Deus, pois é necessário desconfiar de nós mesmos e confiar n’Aquele que dá a sua graça aos humildes e a nega aos soberbos: quem pede é porque realmente se considera necessitado;

4o Pedir com perseverança é nunca deixar de rezar, pois “a graça da salvação não é uma só graça, mas uma corrente de graças, as quais vêm todas se unir à graça da perseverança final”.[8]

 Texto: Sebastián Correa Velásquez


[1] Santo Agostinho. Apud Santo Afonso Maria de Ligório. A oração: o grande meio para alcançarmos de Deus a salvação e todas as graças que desejamos. Aparecida: Santuário, 1992, p. 27.

[2] Frase atribuída a Santo Agostinho.

[3] São João Crisóstomo. Epistola 48. Apud Santo Afonso Maria de Ligório. Op. Cit., p. 55.

[4] Santo Afonso Maria de Ligório. Op. Cit., p. 42.

[5] Santo Afonso Maria de Ligório. Op. Cit., p. 44.

[6] Catecismo da Igreja Católica. n. 2612.

[7] Cf. São Tomás de Aquino. Suma Teológica. II-II, q. 83, a. 15, ad. 2.

[8] Santo Afonso Maria de Ligório. Op. Cit., p. 86.

By

Um dia de aulas no Thabor

No Thabor o despertar é cedo. Logo de manhã o dia se inicia com a Santa Missa. O canto gregoriano ecoa por todos os recintos e, aos poucos, a basílica é banhada pela luz do sol, a qual, de maneira resplendente, ilumina os policromados vitrais que a adornam. A Santa Celebração é o primeiro programa, pois qualquer ação só é bem feita, quando embebida pela vida interior.

O próximo programa é o café da manhã, após o qual é preciso ser ágil, porque em pouco tempo soará o sino, anunciando o alardo de início das aulas. Já formados em suas respectivas fileiras, os alunos cantam o Credo, em latim, e depois saem em passo ritmado, rumo às respectivas salas. À frente, cercado por quatro guardas de honra, o estandarte dos Arautos do Evangelho precede o desfile, ostentando um brasão no qual estão representadas as três devoções mais importantes para um arauto: o Santíssimo Sacramento, Nossa Senhora e o Papa.
Tudo é acompanhado com músicas próprias, as quais colaboram para dar clave e o ritmo ao cerimonial. A orquestra é conformada por 105 instrumentistas, das mais variadas idades, localidades do Brasil e países do Mundo. O repertório é amplo. Para cada dia da semana, existe uma sequência diferente, as quais somam oito ao todo e cada uma delas contém seis músicas, resultando um total de 48 peças.
Imediatamente depois começam as aulas. No prédio onde funcionam o colégio e a faculdade, a distribuição dos alunos é a mais diversa: os mais jovens cumprem o ciclo escolar do ensino-médio, localizando-se no andar térreo; nos outros dois andares, encontram-se os cursos superiores de Filosofia (3 anos) e Teologia (4 anos). O estudo tem um papel fundamental na formação de um arauto do Evangelho, conforme afirmava Mons. João S. Clá Dias em uma das suas numerosas homilias: “devemos ser leões no estudo e águias na contemplação”.

Além de todas as obrigações de estudante, todo arauto do Thabor possui alguma função, como cuidar da sacristia, hospedagem, refeitório, alfaiataria ou tantas outras que uma casa dessas proporções comporta. Há também outras funções que não são fixas, mas rotativas semanalmente. No Domingo à noite, é publicada sempre uma escalação daqueles que devem exercer incumbências como, por exemplo, servir a mesa em determinado dia, atender as ligações telefônicas noutro, fazer a leitura durante as refeições dessa semana, etc.
Queremos destacar, entretanto, uma função muito importante e que, por isso, é fixa. Enquanto muitos arautos se encontram na ação, quer em estudos ou trabalhos, na capela de adoração perpétua ao Santíssimo Sacramento, dentro da Basílica de Nossa Senhora do Rosário, há sempre um arauto adorando a Sagrada Hóstia consagrada, em atitude de oração e recolhimento. Sim, de hora em hora os residentes do Thabor alternam-se para fazer essa guarda de honra a Jesus sacramentado, inclusive durante a madrugada. Assim, cada semana completa-se o número de 168 horas em que a Eucaristia ali está exposta para adoração, tornando-se verdadeira fonte de graças e de proteção para todos.

Chegado o fim da tarde, o toque do sino da basílica, às 6:00 hs., convida para oração do Angelus e também para o início da Missa plenária, ou seja, com a participação de grande parte dos Arautos do Evangelho que residem em várias casas, na cidade de São Paulo. Reúnem-se cerca de 800 pessoas.
Terminado o dia, após o jantar, há o canto de Completas, prece final da Liturgia das Horas. Os Salmos são entoados alternadamente por duas alas e, no final de tudo, entoa-se a Salve Regina, para agradecer à Mãe de Deus pelo dia transcorrido. O ambiente de silêncio e recolhimento reina, após esse último ato em conjunto. Todos os trabalhos cessam, pois é o momento em que os homens devem se calar para que os anjos falem. Finalmente, as luzes vão se apagando e o nosso relato também termina.

Texto: Marcus Vinícius
Fotos: Thiago Tamura

By

Até o próximo Curso de Férias!

Último dia do Curso de Férias. Nada como terminar tão abençoado período de reuniões, com uma Celebração Eucarística solene. Chegando ao Thabor, os participantes do curso formaram na praça, em frente à basílica. Antes da Missa, a qual teria lugar dentro do templo, realizou-se uma bela cerimônia entorno à imagem de Nossa Senhora de Fátima, na qual alguns proclamadores recordaram a importância da oração na vida de um arauto do Evangelho. Iniciou-se, então, um magnífico desfile que culminou ingressando na basílica de Nossa Senhora do Rosário.

O Pe. Santiago Morazzani Arraiz celebrou a Eucaristia, após a qual houve exposição do Santíssimo Sacramento e benção solene. Terminado o ato, todos os presentes se dirigiram ao refeitório do Thabor, onde estavam montados lugares para mais de 850 pessoas. Procedeu-se, então, ao almoço de despedida: uma autêntica salsichada alemã e, de sobremesa, o saboroso strudel de maçã. Os arautos se dispuseram nas mesas, compartilhando, mais do que os alimentos, todas as graças recebidas.

No final da refeição, o Pe. Antônio Guerra dirigiu umas palavras de despedida, apresentando as surpresas que os organizadores do Curso de Férias tinham preparado para os participantes: um belo devocionário, intitulado Preces, contendo as principais orações lidas que um fervoroso arauto do Evangelho recita diariamente — além da oração da Liturgia das Horas; e também um livreto, intitulado A Oração, o qual continha um resumo ilustrado dos temas tratados ao longo das exposições desses dias.

Os personagens de mais destaque, ao longo do Curso de Férias, distribuíram as lembranças, o que formou um belo quadro cenográfico. Sobretudo, os mais jovens dentre os participantes queriam receber a recordação, de mãos do protagonista que mais lhes despertara o entusiasmo durante as encenações. E, desconhecendo o nome real da pessoa a fazer o papel, chamavam-no de modo pitoresco pelo nome que assumira durante o teatro.

A nota tônica durante todo o Curso de Férias, e especialmente nesse último dia, foi a alegria de conviver com pessoas que compartem os mesmos ideais de amor a Deus, por meio da sua Mãe Santíssima, no seio da Santa Igreja Católica Apostólica e Romana.

Texto: Sebastián Correa Velásquez; Fotos: Thiago Tamura Nogueira e Alejandro López Vergara.

By

A mais antiga oração à Santíssima Virgem

Em anterior post, tivemos a oportunidade de deter-nos sobre o que foi tratado, no Curso de Férias, acerca da devoção à Santíssima Virgem. Conforme prometido, queremos continuar a transmitir-lhes outro ponto importantíssimo dessa devoção: o Santo Rosário.

Apesar de alguns historiadores considerarem o Sub tuum presidium como a primeira oração composta a Nossa Senhora – devido à recente descoberta de um documento do séc. III –, partindo da Fé nas Sagradas Escrituras, verdadeiramente podemos considerar como a mais antiga oração aquela que foi recitada, por primeira vez, pela voz de um anjo: “Ave, cheia de graça, o Senhor é convosco” (Lc 1, 42); e logo depois, o cântico de Santa Isabel: “Bendita sois Vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre(Lc 1, 42). A junção dessas duas saudações constituiu uma única oração, que, no séc. IV, já era habitualmente empregada desse modo, inclusive dentro da liturgia oriental, herdeira do apóstolo São Tiago, após o rito da Consagração.[1]

Entretanto, a piedade dos fiéis não se sentia satisfeita. Como corolário desse ato de louvor, era necessário fazer um de súplica. Por isso, paulatinamente, foi sendo acrescentada uma segunda parte: “Santa Maria, Mãe de Deus; rogai por nós pecadores; agora e na hora de nossa morte”. Estava assim composta a “Ave Maria” como a conhecemos até hoje, a qual somente foi introduzida na liturgia do Ocidente, de maneira oficial, pelo Papa São Pio V em 1568, com a publicação do Breviário Romano. Mas, desde longa data, já era uma prece comum na Igreja Católica.

O Santo Rosário O fato de as palavras da Ave Maria serem tão gratas à Santíssima Virgem, impeliu os cristãos a multiplicarem o número de vezes da sua recitação, na esperança de se tornarem, como que, um eco daquelas saudações evangélicas que tanto A encheram de alegria. Assim, à imitação do devocionário mais famoso de todos os tempos, o Livro dos Salmos, criou-se então o costume de rezar um total de 150 Ave Marias,[2] as quais depois foram divididas em dezenas, encabeçadas pelo Pai Nosso, meditando-se em cada uma delas um dos principais mistérios da nossa Redenção. Assim nasceu o Santo Rosário, o qual é uma “síntese de todo o Evangelho”.[3] Ele é um tesouro de espiritualidade, Teologia e Doutrina Católica.

No Curso de Férias, as excelências desta oração foram ensinadas por meio de um impressionante teatro sobre São Domingos de Gusmão. No séc. XIII, o sul da França foi assolado pela heresia catara que pervertia muitos católicos. O Divino Espírito Santo suscitou, então, esse homem providencial, fundador dos Dominicanos, para fazer frente a semelhantes erros. Quando se encontrava numa das principais cidades cátaras, desencadeou-se uma tempestade terrível, a qual parecia que ia dizimar a população. Todo o povo apavorado correu para a catedral à procura de refúgio. Ao cruzarem o limiar da porta, os sinos do templo começaram a repicar sozinhos e uma imagem de Nossa Senhora, de forma miraculosa, abaixou seu braço, apontando com o indicador na direção dos presentes.

Todos, sem saber como aplacar a cólera divina, acorreram a São Domingos pedindo-lhe que intercedesse perante Deus para obter o perdão dos pecados deles, causa de tão terrível castigo. Vendo neles um arrependimento sincero, o Santo tomou o seu Rosário, que há pouco recebera das mãos da própria Bem-aventurada Virgem, e asseverou-lhes ser esse o meio revelado pela bondade maternal de Maria, a fim de aplacar a infinita justiça de seu Filho. Tão só desfiavam as primeiras contas, o apocalíptico temporal acalmou-se e, terminada a oração, os vitrais da catedral começavam a ser iluminados por alvissareiros raios solares. Nesse momento, o terrível e santo dedo da imagem que os apontava ergueu-se para assinalar novamente na direção do Céu.

Esse belo fato, até com os seus mínimos detalhes (trovões, sinos e dedo que aponta), foi encenado magnificamente. Mas, junto a ele, foi apresentado também outro episódio da vida de São Domingos no qual ele exorcizava, através da oração do Rosário, um homem possuído por quinze mil demônios. No final do exorcismo, o santo obrigou os espíritos maus a confessarem quem era a pessoa que mais lhes causava desgostos e arruinava seus planos. Então, os demônios, depois de muito esbravejarem, tiveram de pronunciar o santíssimo nome de Nossa Senhora, para logo depois fugirem espavoridos.

Esse foi mais um abençoado dia de Curso de Férias!

TEXTO: Sebastián Correa Velásquez

FOTOS: Thiago Tamura Nogueira e Alejandro López Vergara


[1] Cf. Reus, João Batista. Curso de Liturgia. 3 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1952, p. 54; Messori. Vittorio. Hipótesis sobre María: hechos, indicios, enigmas. Tradução de Lourdes Vásquez. Madrid: Libroslibres, 2007, p. 266.

[2] O Beato João Paulo II acrescentou mais cinquenta Ave Marias a esse número, ao incluir no Santo Rosário os mistérios Luminosos.

[3] Catecismo da Igreja Católica, n. 917.

By

A descoberta do pólo sul

Creio que nenhum de nós foi ao Pólo Sul…  Porém, essa região já foi palco de aventuras inusitadas, viagens ao desconhecido, histórias de naufrágios, resgates e explorações, onde, na maior parte das expedições, o que determina seu êxito é a diligência e o pulso firme de seu chefe. Dentre os inúmeros exploradores que a Antártida atraiu, destaca-se um: Sir Ernest Henry Shackleton, um oficial da Royal Navy, anglo-irlandês típico: fleumático, calculista, calmo ao extremo, mas de uma têmpera fora do comum e com grandes dotes de comando. Dele fez-se o seguinte elogio: “Para a lideran-ça científica, o melhor é Scott[1]; para viajar depressa e com eficiência, Amundsen[2], mas quando estiver numa situação perdida, quando parecer não ter saída, ponha-se de joelhos e peça a Deus que o seu chefe seja Shackleton”.

Tal dito se justifica, pois tendo sua expedição saído em agosto de 1914 e voltado à civilização somente em maio 1916, não houve, diante dos sucessivos desastres, quem se revelasse melhor capitão do que ele. Efetivamente, várias foram as peripécias dos tripulantes. Após terem zarpado da Ilha Geórgia do Sul, encontram, escondido no porão, um passageiro clandestino: o argentino Perce Blackboro, este constituía uma boca a mais para alimentar… Além disso o navio, Endurance, fora aprisionado pelo mar congelado, e, por causa da pressão deste, seu casco veio a romper-se, sendo inevitavelmente tragado pelo mar. Resultado: os 28 passageiros encontraram-se sem navio, numa região onde a média de temperatura no verão é de -25ºC na qual o recorde de calor já registrado foi de: -13,6ºC, e sendo de -89,2ºC frio mais intenso já observado.

Numa luta desesperada pela sobrevivência, os aventureiros foram forçados a acampar sobre a banquisa , à mercê da deriva do mar, por cerca de seis meses. Isto com apenas uma parte das provisões que foram salvas às pressas do navio, quando este foi a pique. Tal era a penúria e a fome que sofreram que todo ser vivo que deles se aproximava, era sofregamente capturado. O que se deu, por exemplo, com os pingüins cuja caça alcançou o cômputo de cerca de 600. Quando não caçavam, eram eles mesmos cobiçados pelas feras, como os terríveis leopardos-marinhos: “Era 3 de abril, 49º aniversário de McLeod. O grupo acabara de brindar à sua saúde no almoço quando uma cabeça de leopardo-marinho emergiu junto à borda da banquisa. McLeod, que era baixo e forte, aproximou-se do animal e começou a agitar os braços para imi- tar um pingüim. O leopardo-ma- rinho aparentemente se deixou convencer, porque pulou para fora da água e investiu contra McLeod, que fez meia-volta e saiu correndo. O leopardo-marinho deu mais dois ou três saltos para a frente e depois parou, aparentemente para examinar as outras criaturas que havia naquela banquisa. Sua distração foi fatal.

Wild fora buscar a carabina na barraca. Fez mira e atirou, e mais de 500 quilos de carne foram acrescentados à despensa.”Finalmente, tendo-se aberto a banquisa[3], foi possível lançar ao mar os três barcos que tinham sido recuperados do navio quando este afundara. Após sucessivas peripécias chegaram à ilha Elephant, onde se estabeleceram. Seus homens dicaram nesta ilha enquanto Shackleton partiu num comando especial, de seis homens, com o objetivo ousado de atravessar com uma pequena embarcação – o James Caird – um trecho de 800 quilômetros… Tratava-se de enfrentar a passagem de Drake , uma das zonas com as piores condições meteorológicas do planeta, de frio intenso e ventos com força de furacão,  varrida por ondas gigantescas, que parecem vir diretamente do céu: “À meia-noite, depois de uma ração de leite quente, começava o turno do grupo de Shackleton, e o próprio Shackleton assumiu o leme, enquanto Crean e McNeish ficavam embaixo para bombear a água que sem parar entrava no barco, por causa da agitação do mar. Os olhos de Shackleton já es-tavam ficando acostumados com a escuridão quando ele se virou e viu uma faixa brilhante, na direção da popa, o céu estava totalmente nublado. Chamou os outros para lhes dar a boa-nova de que o tempo estava-se abrindo a sudoeste.

Um instante depois ouviu um silvo, acompanhado por um ronco surdo e abafado, e tornou a virar-se. A abertura nas nuvens, na verdade era a crista de um gigantesco vagalhão, que avançava rapidamente na direção do barco. Virou-se e, instin-tivamente, abaixou a cabeça. –Pelo amor de Deus, segurem-se – gritou. Está em cima de nós!Por um instante, nada aconteceu. O Caird simplesmente subiu cada vez mais alto, e a trovoada surda daquele imenso vagalhão que se quebrava encheu o ar.

Continua num próximo post…

Texto: Michel Six


[1] (1868-1912) Explorador polar britânico, que realizou duas expedições ao Ártico. Na primeira descobriu uma região inexplorada: “Terra do Rei Eduardo VII”. Na segunda chegou ao Pólo Sul mas, na volta, foi surpreendido por uma tempestade e morreu com mais quatro companheiros.

[2] (1872-1928) Explorador polar norueguês, foi o primeiro homem a chegar aos Pólos Sul e Norte. Foi igualmente o pioneiro na travessia da passagem do Noroeste. Desapareceu sobrevoando as cercanias do Pólo Norte, em 1928, numa missão de busca do pesquisador italiano Nobile em 2004 realizou-se uma expedição da Marinha Real da Noruega com o objetivo de encontrar os restos do hidroavião.

[3] Banquisa: água do mar congelada, que começa a formar-se aos -2°C, originando uma camada delgada que pode facilmente se quebrar.

%d blogueiros gostam disto: