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Deus é a autoridade máxima do Universo e, portanto, não deve obediência a nenhum outro ser inteligente. Sem embargo, nem Ele quis privar-se da prática dessa admirável virtude: o Verbo eterno, ao ocultar-se sob os véus de uma carne mortal, tornou-se dependente, sob certo aspecto, das outras duas Pessoas Trinitárias. Vindo à Terra, deixou-nos seu comovedor exemplo ao sujeitar-se à Santíssima Virgem e a São José, como sinal da sua obediência a Deus Pai,[i] a qual atingiria o ápice nas vésperas da Paixão: “Pai, se é de teu agrado, afasta de Mim este cálice! Porém, não se faça a minha vontade, mas sim a tua” (Lc 22, 42).
É sabido que, para nos redimir, teria bastado apenas uma gota de seu preciosíssimo Sangue. Entretanto, o amor divino excedia qualquer limite: no seio da Trindade fora decretada a consumação completa do holocausto do Filho; a Cruz deveria ser hasteada sobre o Calvário e carregar o Cordeiro imolado que assumiu sobre Si todas as nossas iniquidades. Como qualificar esse ato de obediência? Somente um adjetivo parece descrevê-lo por inteiro: divino. Cristo, “tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz” (Fl 2, 8), submeteu-se inclusive às autoridades que o condenaram, embora tivesse pleno poder para defender-se, como asseverou a São Pedro: “Crês tu que não posso invocar meu Pai, e Ele não me enviaria imediatamente mais de doze legiões de anjos?” (Mt 26, 53).
Quem ousaria, pois, ao abraçar os conselhos evangélicos, procurar outro modelo que não seja Cristo? Contudo, alguém pode dizer: “Eu me consagrei a Deus e a Ele devo obediência, mas como hei de conhecer a sua vontade, se não O vejo?”. A resposta é muito simples: “a obediência do religioso descansa sobre o fundamento sobrenatural da Fé, a qual reconhece em todo superior legítimo, qualquer que ele seja, o lugar-tenente ou vigário de Cristo”.[ii] Acatando as ordens recebidas, quem obedece pode estar certo de cumprir a vontade divina. A objeção, porém, continua: “E quando o superior cai em erro, o Ser infinitamente perfeito também me manda errar? Será mesmo que a vontade divina se identifica com a do superior?”.
Deus se adapta à vontade do superior
Há inúmeros episódios na História da Igreja que permitem comprovar o alto grau do amor de Deus pela virtude da obediência. Tomemos alguns da vida de Santa Margarida Maria Alacoque, para encontrar a resposta ao problema levantado. A famosa vidente do Sagrado Coração de Jesus tornou-se religiosa visitandina no ano de 1671 e, como sói acontecer com os grandes místicos, aqueles que os acompanham de perto correm o risco de desprezá-los ou até ridicularizá-los pelos extraordinários dons de que são objeto, pois estes costumam apresentar-se sob o véu de uma humildade profunda. Foi o caso de Santa Margarida: devido à sua aparente incompetência na vida comunitária, viu-se muito perseguida pela superiora do convento, a qual, duvidando das aparições, teve a empáfia de ordenar-lhe que pedisse a seu Jesus a tornasse mais útil.
A ordem foi cumprida e a resposta foi a seguinte: “Eu te farei mais útil para a religião do que ela pensa, mas de uma maneira somente conhecida por Mim. Doravante, adaptarei as minhas graças ao espírito da regra, à vontade de tuas superioras e à tua debilidade, de sorte que deverás ter por suspeito tudo quanto te afaste da observância exímia da regra, a qual Eu quero que prefiras a qualquer outro ato de piedade. Ademais, verei com gosto que anteponhas a vontade de tua superiora à minha, quando ela te proíbe fazer aquilo que Eu tiver ordenado. Deixa-a proceder como quiser. Eu saberei executar os meus desígnios, ainda por caminhos que pareçam contraditórios”.[iii]
Quem pode hesitar, depois destas palavras, em reconhecer que a vontade divina se encontra oculta na vontade do superior? Caso restem dúvidas, acompanhemos mais algumas verdades que transbordaram do Sagrado Coração de Jesus. Em certa ocasião, Ele repreendeu a sua vidente por prescindir de permissão superior para mortificar-se mais do que era permitido pela regra: “Enganas-te pensando agradar-Me com essas ações e mortificações que partem da tua própria vontade, ignorando a da superiora, antes do que submetendo-se a ela. Eu rejeito isso como frutos corrompidos, pois Me causam horror numa alma religiosa. Agrada-Me mais que tenhas comodidades por obediência, do que ver-te oprimida por austeridades e jejuns, por vontade própria”.[iv] São Francisco de Sales, o fundador da ordem, apareceu também a Santa Margarida e lhe disse com severidade: “Pensas poder agradar a Deus sobrepondo-te aos limites da obediência, que é o fundamento desta Congregação, e não as austeridades?”.[v] E, por último, bastou esta afirmação de Nosso Senhor para ela nunca mais transgredir qualquer regra: “O que fizeste até aqui é para Mim, o que estás fazendo agora é para o demônio”.[vi]
Invariavelmente, onde não há pecado, Deus corrobora a autoridade de um superior, pois Ele ama a ordem que pôs no Universo. Ao cumprirmos uma norma, errônea ao nosso parecer, estaremos obedecendo, mais do que a este ou àquele homem, a uma disposição divina, que é respeitar a hierarquia humana desejada por Deus. Ninguém tem o direito de se revoltar contra uma autoridade, sob o pretexto de estar fazendo algo mais razoável à ordem recebida, pois “aquele que resiste à autoridade opõe-se à ordem estabelecida por Deus, e os que a ela se opõem, atraem sobre si a condenação” (Rom 13, 2). Devemos ser submissos “a toda autoridade humana” (1Pd 2, 13), e não somente àquelas que julgamos serem boas e justas, “porque não há autoridade que não venha de Deus” (Rom 13, 1).
Somente existe um caso no qual um súbdito nunca deve obedecer: quando lhe ordenam expressamente cometer qualquer pecado, ainda que venial. Foi o que sucedeu, por exemplo, aos Apóstolos diante das autoridades religiosas da época. Ao serem forçados a ocultar a verdade revelada por Deus, guardando silêncio a respeito do nome de Jesus, São Pedro e São João responderam perante o sinédrio: “Julgai vós mesmos se é justo diante de Deus que obedeçamos a vós mais do que a Ele.” (At 4, 19). Nesse momento, calar talvez tivesse sido o maior pecado de omissão em toda a História, pois nenhuma autoridade ultrapassa o infinito e imutável poder de Deus sobre as suas criaturas. Assim, ninguém está obrigado, em consciência, a obedecer algo que Ele condena. O próprio São Paulo – portador do poder divino a que grau! – esclarece, dirigindo-se aos de Corinto, ser a “autoridade que o Senhor nos deu, para vossa edificação e não para vossa destruição” (2 Cor 10, 8), e não há pior ruína do que ofender a Deus violando qualquer ponto das suas divinas palavras. Portanto, sempre se deve obedecer um superior, excetuados os casos nos quais é patente a infração à vontade de Deus, revelada nas Escrituras e na Sagrada Tradição.
Continua num próximo post…
Texto: Sebastián Correa Velásquez
[i] Cf. Catecismo da Igreja Católica. n. 532.
[ii] Espinosa Polit, Manuel María. La obediencia perfecta: comentario a la carta de la obediencia de San Ignacio de Loyola. 2 ed. México: Jus, 1961. p. 9.
[iii] I. G. Vida de la Beata Margarita María de Alacoque: religiosa de la Visitación de Santa María, orden de San Francisco de Sales, de quien se sirvió para establecer la devoción al Sagrado Corazón de Jesús. Barcelona: Librería de Francisco Rosal, 1864. p. 52-53.
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