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Um monge e um bandido

Numa região da Itália, vivia um monge conhecido pela sua caridade heróica para com o próximo. Quando se viam em dificuldades, grande número de pessoas recorria a ele, encontrando sempre amparo e paz de alma.

Certo dia, apareceu um bandido bastante conhecido na região pelas suas atrocidades e crimes. O monge, surpreso pela inusitada visita perguntou:

– O que o senhor deseja neste local?

Disse o bandido:

– Vim pedir o seu apoio. O senhor que ajuda todo mundo, reze por mim para que deixe esta vida criminosa. Entretanto – continuou o sinistro homem –, se daqui a algum tempo eu não tiver mudado, é sinal de que o senhor não rezou por mim! Então, virei para matá-lo…

E desapareceu sem mais explicações.

O humilde monge, mais com pena desse miserável do que levado por qualquer tipo de medo, resolveu rezar e inclusive oferecer duros sacrifícios pela conversão desse pecador.

Dias depois, apareceu novamente o obstinado bandido, recordando cruelmente a sua ameaça:

– O senhor não está rezando por mim! Pois continuo com a mesma maldade e até piorei… Se dentro de uma semana eu não tiver me convertido, prepare-se!

Dito isso, retirou-se rapidamente.

O monge, apesar da maquiavélica ameaça, continuou pacificamente os seus atos de piedade e sacrifícios.

Quando se completou o prazo dado pelo soberbo homem, eis que apareceu novamente diante do monge e brutalmente lhe disse:

– Já que o senhor não quis rezar por mim, cumprirei o que me propus…

O monge apenas redarguiu:

– Mas como sabe que não rezei pelo senhor?

– Porque se tivesse rezado, eu já teria deixado os meus péssimos costumes…

– Conceda-me, então, apenas um pedido antes de morrer – disse o religioso.

– Diga logo!

– Há muito tempo, eu fiz um túmulo cerca de uma ermida, para o dia em que morresse. Não lhe pediria, pois, outra coisa senão ser enterrado ali. Sugiro-lhe me mate nesse local, pois, assim também, o senhor não terá o trabalho de me arrastar até alguma vala, o que poderia levantar suspeitas do seu atroz homicídio.

O criminoso, além de possuir pouca inteligência, foi movido mais pela facilidade do “serviço” do que por consentir ao pedido do monge. Foram, então, na direção do referido túmulo e, chegando ao solitário lugar, era necessário levantar a laje sepulcral. O assassino pegou um lado dela e pôs-se a fazer grande esforço; do outro lado pegou o monge, o qual fazia muita força, mas na direção contrária, a fim de que a pedra não se erguesse.

Furibundo de raiva, o bandido gritou:

– Eu não posso fazer toda a força sozinho! Não adianta para nada! Vou matá-lo aqui sobre a pedra, pois se o senhor não me ajuda a levantá-la será impossível…

Eis a lição que o monge lhe dera, sem perder um segundo, respondeu:

–  Pois bem, do que serve eu rogar a Deus por ti, pedindo que te tire dessa vida de vícios, se tu não queres fazer o mínimo esforço para mudar e, pelo contrário, estás empenhado em lutar contra Deus?

Tão simples argumento foi capaz de desmontar a empáfia do criminoso, porque ele já vinha sendo trabalhado interiormente por graças divinas que, apesar de terem sido rejeitadas, vieram à tona nesse momento decisivo, fazendo com que ele desse ali o primeiro passo de um longo caminho de conversão.

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A obediência II – (continuação)

Jesus fala pelos lábios do superior – 

Durante a nossa existência, os superiores que nos governam podem ir se sucedendo e, por conseguinte, apresentando diferenças de temperamento, virtude, capacidades, etc. Basta dizer que são humanos. Entretanto, essa variedade não afeta à obediência de quem abraça verdadeiramente a vida consagrada, pois ao ingressar nela, o religioso visa cumprir a vontade de Deus, a qual lhe determina obedecer em tudo as autoridades, sempre e quando não lhe ordenem algo que comporte pecado.

Desde a patrística, muitos escritores de espiritualidade e fundadores, na composição das regras monacais, sempre aplicaram esta passagem do Evangelho aos superiores religiosos: “Quem vos ouve, a Mim ouve; e quem vos rejeita, a mim rejeita” (Lc 10, 16).[i] Assim, um súbdito não tem muitos superiores, mas somente um: “Jesus Cristo que muda de nome e de fisionomia, mas sempre é Jesus Cristo”.[ii]

Uma analogia proposta por Santo Inácio de Loyola e retomada pelo Beato Columba Marmion,[iii] pode deixar-nos atônitos, ao meditá-la seriamente. Com efeito, o que fazemos ao ajoelhar-nos diante de uma Hóstia consagrada, exposta num ostensório? Por acaso adoramos um pedaço de pão? Claro que não! A luz inequívoca da Fé ilumina a nossa inteligência para crermos nas palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo, através das quais Ele mesmo nos revelou estar ali a sua presença real, oculta sob as aparências de pão. Ora, a figura de um superior é equiparada, analogamente e sob certo aspecto, a esse sublime mistério, pois “quem obedece, por meio de uma voz humana, está atendendo à voz divina de Jesus Cristo”.[iv]

Caso alguns espíritos débeis ainda se abalem face às possíveis ou reais imperfeições dos seus superiores, Nosso Senhor teve a delicadeza de dar-lhes o conselho acertado, ao comentar a autoridade dos escribas e fariseus: “Observai e fazei tudo o que eles dizem, mas não façais como eles, pois dizem e não fazem” (Mt 23, 3). “Mesmo assim, ver Cristo no superior, quando as suas decisões nos agradam, seu talento e afabilidade conquistam nossa simpatia, é algo fácil. Mas, continuar a ver Cristo no superior, quando os seus defeitos, preconceitos e ainda desatinos saltam aos nossos olhos, é muito mais difícil. É preciso ter uma Fé viva e robusta para encontrar a pedra preciosa da vontade de Deus, em meio à ganga das deficiências e misérias humanas que a possam envolver”.[v] Pretender obedecer apenas a “pessoas perfeitas e totalmente irrepreensíveis, equivaleria a nunca querer obedecer”.[vi]

Obedecer em todas as circunstâncias

A prática da obediência se estende não somente a um superior, mas também a todos os “subalternos revestidos de uma parte da sua autoridade”,[vii] os quais exercem qualquer tipo de direção, estável ou transitória, devido às diversas funções numa comunidade. Devemos obedecê-los, “ainda quando sejam jovens, sem talento, sem experiência, de condição humilde e de exterior desagradável, rudes e exigentes, inconstantes e caprichosos, pouco edificantes, e, sob muitos aspectos, os últimos da casa”,[viii] pois, na verdadeira obediência, “não devemos olhar para quem agimos, mas sim, por quem agimos”,[ix] ou seja, por Cristo. Quem tem desregrado amor a si mesmo, facilmente os acusará “de extravagância, injustiça, cólera, despotismo, e cultivará a amizade com espíritos mal intencionados, cuja inveja exerce maligna influência”.[x]

A virtude da obediência pede ainda ser praticada “na saúde e na doença, em todas as condições e em todas as circunstâncias, como na própria velhice, quando o jugo da obediência pode se apresentar mais pesado; por mais que se tenham prestado os serviços mais relevantes; ainda quando se tenham desempenhado os mais importantes cargos; é preciso sempre conservar-se simples, submisso e cândido como uma criança, nas mãos da obediência”.[xi] As almas verdadeiramente amantes da virtude “não se contentam em obedecer exteriormente, mas interiormente subjugam a sua vontade ainda nas coisas mais trabalhosas, contrárias ao seu modo de ser, e o fazem de coração, sem queixar-se, felizes de poderem assemelhar-se mais perfeitamente a seu divino modelo”.[xii] Nunca procuram manifestar ao superior, velada ou declaradamente, as preferências que têm por isto ou por aquilo, a fim de receberem determinadas incumbências. Quem assim age, não faz senão enganar-se a si mesmo, porque – como disse São Bernardo – “nessa ocasião não é ele que obedece a seu superior, mas é o superior quem lhe obedece”.[xiii]

O mesmo santo ainda adverte: “O verdadeiro obediente não conhece contemporizações, tem horror de deixar algo para amanhã; não entende demoras, adianta-se à ordem; está com os olhos fixos, o ouvido atento, a língua pronta para falar, as mãos dispostas a trabalhar, os pés prontos para correr; está inteiramente recolhido para compreender sempre aquilo que lhe é mandado”.[xiv] A constância é um dos seus maiores méritos, pois “executar com prazer algo mandado uma só vez, e quando o achamos agradável, custa muito pouco; mas quando nos dizem ‘farás sempre isto, enquanto viverdes’– afirma São Francisco de Sales –, ali está a virtude”.[xv] O religioso não faz ideia de quão próxima lhe é a santidade. Ela – dizia São Felipe Neri – é nada mais do que sacrificar “quatro dedos de testa, ou seja, mortificar a própria vontade”.[xvi]

Texto: Sebastián Correa Velásquez


[i] Cf. Espinosa Polit. Manuel María. La obediencia perfecta: comentario a la carta de la obediencia de San Ignacio de Loyola. 2 ed. México: Jus, 1961, p. 9.

[ii] Longhaye, Georges. Retraite annuelle de huit jours: d’après Les Exercices de Saint Ignace. 3 ed. Paris: Casterman, 1925, p. 642.

[iii] Cf. Marmion, Columba. Le Christ, idéal du moine: conférences spirituelles sur la vie monastique et religieuse. Bélgica: Maredsous, 1947, v. 1, p. 132.

[iv] Gilleman, Gérard. L’obéissance dans notre vie divine. Bélgica: Christus Rex, 1955, (n. 8).

[v] Espinosa Polit. Op. Cit., p. 11.

[vi] Judde, Claudio. Palestra, apud Espinosa Polit. Op. Cit., p. 11-12.

[vii] Royo Marín, Antonio. La vida religiosa. 2 ed. Madrid: B.A.C, 1968, p. 368.

[viii] Royo Marín. Loc. Cit.

[ix] San Ignacio de Loyola, Carta de la obediencia. 26 mar. 1553, apud Espinosa Polit. Op. Cit., p. 7.

[x] Royo Marín. Op. Cit., p. 368.

[xi] Royo Marín. Loc. Cit.

[xii] Tanquerey, Adolphe. Compendio de Teología Ascética y Mística. Traducción de Daniel García Huches. Bélgica: Desclée, 1960, p. 683.

[xiii] São Bernardo de claraval. Sermon XXXV, n. 4. Disponível em: <http://membres.lycos.fr/abbayestbenoit>.

[xiv] Idem, Sermon XLI, n. 7. Disponível em: <http://membres.lycos.fr/abbayestbenoit>.

[xv] São Francisco de Sales. Pláticas espirituales. c. XI, apud Tanquerey. Op. Cit., p. 687.

[xvi] Apud Santo Afonso Maria de Ligório. A selva: dignidade e deveres do Sacerdote. Tradução de Pe. Martinho. Porto: Fonseca, 1928, p. 222.

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