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A obediência II – (continuação)

Jesus fala pelos lábios do superior – 

Durante a nossa existência, os superiores que nos governam podem ir se sucedendo e, por conseguinte, apresentando diferenças de temperamento, virtude, capacidades, etc. Basta dizer que são humanos. Entretanto, essa variedade não afeta à obediência de quem abraça verdadeiramente a vida consagrada, pois ao ingressar nela, o religioso visa cumprir a vontade de Deus, a qual lhe determina obedecer em tudo as autoridades, sempre e quando não lhe ordenem algo que comporte pecado.

Desde a patrística, muitos escritores de espiritualidade e fundadores, na composição das regras monacais, sempre aplicaram esta passagem do Evangelho aos superiores religiosos: “Quem vos ouve, a Mim ouve; e quem vos rejeita, a mim rejeita” (Lc 10, 16).[i] Assim, um súbdito não tem muitos superiores, mas somente um: “Jesus Cristo que muda de nome e de fisionomia, mas sempre é Jesus Cristo”.[ii]

Uma analogia proposta por Santo Inácio de Loyola e retomada pelo Beato Columba Marmion,[iii] pode deixar-nos atônitos, ao meditá-la seriamente. Com efeito, o que fazemos ao ajoelhar-nos diante de uma Hóstia consagrada, exposta num ostensório? Por acaso adoramos um pedaço de pão? Claro que não! A luz inequívoca da Fé ilumina a nossa inteligência para crermos nas palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo, através das quais Ele mesmo nos revelou estar ali a sua presença real, oculta sob as aparências de pão. Ora, a figura de um superior é equiparada, analogamente e sob certo aspecto, a esse sublime mistério, pois “quem obedece, por meio de uma voz humana, está atendendo à voz divina de Jesus Cristo”.[iv]

Caso alguns espíritos débeis ainda se abalem face às possíveis ou reais imperfeições dos seus superiores, Nosso Senhor teve a delicadeza de dar-lhes o conselho acertado, ao comentar a autoridade dos escribas e fariseus: “Observai e fazei tudo o que eles dizem, mas não façais como eles, pois dizem e não fazem” (Mt 23, 3). “Mesmo assim, ver Cristo no superior, quando as suas decisões nos agradam, seu talento e afabilidade conquistam nossa simpatia, é algo fácil. Mas, continuar a ver Cristo no superior, quando os seus defeitos, preconceitos e ainda desatinos saltam aos nossos olhos, é muito mais difícil. É preciso ter uma Fé viva e robusta para encontrar a pedra preciosa da vontade de Deus, em meio à ganga das deficiências e misérias humanas que a possam envolver”.[v] Pretender obedecer apenas a “pessoas perfeitas e totalmente irrepreensíveis, equivaleria a nunca querer obedecer”.[vi]

Obedecer em todas as circunstâncias

A prática da obediência se estende não somente a um superior, mas também a todos os “subalternos revestidos de uma parte da sua autoridade”,[vii] os quais exercem qualquer tipo de direção, estável ou transitória, devido às diversas funções numa comunidade. Devemos obedecê-los, “ainda quando sejam jovens, sem talento, sem experiência, de condição humilde e de exterior desagradável, rudes e exigentes, inconstantes e caprichosos, pouco edificantes, e, sob muitos aspectos, os últimos da casa”,[viii] pois, na verdadeira obediência, “não devemos olhar para quem agimos, mas sim, por quem agimos”,[ix] ou seja, por Cristo. Quem tem desregrado amor a si mesmo, facilmente os acusará “de extravagância, injustiça, cólera, despotismo, e cultivará a amizade com espíritos mal intencionados, cuja inveja exerce maligna influência”.[x]

A virtude da obediência pede ainda ser praticada “na saúde e na doença, em todas as condições e em todas as circunstâncias, como na própria velhice, quando o jugo da obediência pode se apresentar mais pesado; por mais que se tenham prestado os serviços mais relevantes; ainda quando se tenham desempenhado os mais importantes cargos; é preciso sempre conservar-se simples, submisso e cândido como uma criança, nas mãos da obediência”.[xi] As almas verdadeiramente amantes da virtude “não se contentam em obedecer exteriormente, mas interiormente subjugam a sua vontade ainda nas coisas mais trabalhosas, contrárias ao seu modo de ser, e o fazem de coração, sem queixar-se, felizes de poderem assemelhar-se mais perfeitamente a seu divino modelo”.[xii] Nunca procuram manifestar ao superior, velada ou declaradamente, as preferências que têm por isto ou por aquilo, a fim de receberem determinadas incumbências. Quem assim age, não faz senão enganar-se a si mesmo, porque – como disse São Bernardo – “nessa ocasião não é ele que obedece a seu superior, mas é o superior quem lhe obedece”.[xiii]

O mesmo santo ainda adverte: “O verdadeiro obediente não conhece contemporizações, tem horror de deixar algo para amanhã; não entende demoras, adianta-se à ordem; está com os olhos fixos, o ouvido atento, a língua pronta para falar, as mãos dispostas a trabalhar, os pés prontos para correr; está inteiramente recolhido para compreender sempre aquilo que lhe é mandado”.[xiv] A constância é um dos seus maiores méritos, pois “executar com prazer algo mandado uma só vez, e quando o achamos agradável, custa muito pouco; mas quando nos dizem ‘farás sempre isto, enquanto viverdes’– afirma São Francisco de Sales –, ali está a virtude”.[xv] O religioso não faz ideia de quão próxima lhe é a santidade. Ela – dizia São Felipe Neri – é nada mais do que sacrificar “quatro dedos de testa, ou seja, mortificar a própria vontade”.[xvi]

Texto: Sebastián Correa Velásquez


[i] Cf. Espinosa Polit. Manuel María. La obediencia perfecta: comentario a la carta de la obediencia de San Ignacio de Loyola. 2 ed. México: Jus, 1961, p. 9.

[ii] Longhaye, Georges. Retraite annuelle de huit jours: d’après Les Exercices de Saint Ignace. 3 ed. Paris: Casterman, 1925, p. 642.

[iii] Cf. Marmion, Columba. Le Christ, idéal du moine: conférences spirituelles sur la vie monastique et religieuse. Bélgica: Maredsous, 1947, v. 1, p. 132.

[iv] Gilleman, Gérard. L’obéissance dans notre vie divine. Bélgica: Christus Rex, 1955, (n. 8).

[v] Espinosa Polit. Op. Cit., p. 11.

[vi] Judde, Claudio. Palestra, apud Espinosa Polit. Op. Cit., p. 11-12.

[vii] Royo Marín, Antonio. La vida religiosa. 2 ed. Madrid: B.A.C, 1968, p. 368.

[viii] Royo Marín. Loc. Cit.

[ix] San Ignacio de Loyola, Carta de la obediencia. 26 mar. 1553, apud Espinosa Polit. Op. Cit., p. 7.

[x] Royo Marín. Op. Cit., p. 368.

[xi] Royo Marín. Loc. Cit.

[xii] Tanquerey, Adolphe. Compendio de Teología Ascética y Mística. Traducción de Daniel García Huches. Bélgica: Desclée, 1960, p. 683.

[xiii] São Bernardo de claraval. Sermon XXXV, n. 4. Disponível em: <http://membres.lycos.fr/abbayestbenoit>.

[xiv] Idem, Sermon XLI, n. 7. Disponível em: <http://membres.lycos.fr/abbayestbenoit>.

[xv] São Francisco de Sales. Pláticas espirituales. c. XI, apud Tanquerey. Op. Cit., p. 687.

[xvi] Apud Santo Afonso Maria de Ligório. A selva: dignidade e deveres do Sacerdote. Tradução de Pe. Martinho. Porto: Fonseca, 1928, p. 222.

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A oração perfeita

O segundo dia do Curso de Férias iniciou com uma cena sublime: Nosso Senhor Jesus Cristo ensinando os seus discípulos a rezar. “Eis como deveis rezar: Pai Nosso que estais no Céu” (Mt 6, 9). Mais de quatro mil anos tinham se passado, no início dos quais a humanidade provocara a sua própria “orfandade” por haver pecado. Tão consoladora expressão – “Pai Nosso” – só poderia brotar, com toda a propriedade, dos lábios do Deus encarnado que quis assumir a nossa carne e, em nosso meio, dizer: “Filhinhos! Doravante, chamai-me novamente de Pai!”. Cristo fazia uma revelação inaudita: “A todos aqueles que O receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1, 12), “e nós o somos de fato” (1 Jo 3, 1)!

As petições da oração do Pai Nosso são como as sete cores que conformam o arco-íris de uma nova aliança entre o Céu e a Terra, um caminho luminoso que nos conduz diretamente aos tesouros da misericórdia divina. As três primeiras súplicas exercitam no cristão as virtudes teologais (Fé, Esperança e Caridade), porque se dirigem diretamente a Deus: “o vosso nome, o vosso Reino e a vossa vontade”; as quatro restantes imploram, no seu conjunto, proteção e auxílio divinos na prática das virtudes cardeais (Justiça, Temperança, Fortaleza e Prudência), e constituem propriamente o apelo dos filhos a seu divino Pai: “dai-nos, perdoai-nos, não nos deixeis cair e livrai-nos”.

Na Oração do Senhor, antes dos pedidos, invocamos com fé a quem eles se dirigem – “Pai Nosso, que estais no Céu” – e em seguida os fazemos:

“Santificado seja o vosso nome” – Pedimos o mais importante, ou seja, a glória de Deus, que Ele seja conhecido e reverenciado por todos.

Para explicar aos jovens participantes do Curso de Férias essa obrigação de todo cristão santificar o nome de Deus, foi encenado um episódio tocante: a morte de Eleazar, um ancião do povo eleito na época do domínio grego em Jerusalém, no séc. II a.C, narrado pelo livro dos Macabeus. Nessa época, os costumes pagãos dos helenos foram impostos à força. Muitos hebreus apostataram da verdadeira Religião e se profanaram adotando os modos gregos. Eleazar, aos seus 90 anos de idade, foi ameaçado de morte se não comesse, em público, carnes impuras, o que no Antigo Testamento era proibido por Deus. Heroicamente, o ancião recusou-se a comer, para não desonrar o Santo Nome de Deus e tornar-se motivo de escândalo para os outros mais jovens. Por isso, foi morto de maneira atroz.

“Venha a nós o vosso Reino” – O nosso segundo maior desejo é que todos possamos participar da eterna glória de Deus e, para isso, impulsionados pela esperança, pedimos a expansão da Santa Igreja Católica, por todos os confins do mundo, e imploramos, o quanto antes, a segunda vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, a fim de que Ele reine definitivamente sobre todos os povos.

“Seja feita a vossa vontade assim na Terra como no Céu” – Mas, para que os homens mereçam entrar na glória celestial, pedimos que todos observem os Mandamentos da Lei de Deus.

Muito didaticamente, essa terceira petição do Pai Nosso foi exemplificada com um pequeno conjunto de instrumentistas, os quais, sob a batuta do regente, deveriam interpretar uma bela peça musical. Sem embargo, nunca eram bem sucedidos no seu intento, pois sempre aparecia um problema: um oboé entrava antes do sinal do regente, outra vez, uma trompa desafinava na primeira nota ou, em outra tentativa, um violoncelo tocava com a partitura errada… Por fim, eles conseguiram entrar em acordo e, seguindo com fidelidade as indicações dadas por quem regia, o som de uma magnífica harmonia agradou os ouvidos de todos os presentes.

Mas, o que tem a ver isso com a petição “seja feita a vossa vontade assim na Terra como no Céu”? É muito simples! Para a música sair perfeita era indispensável a junção de três elementos: fazer a vontade do regente, tocar com a partitura certa e realizar o esforço necessário para tirar um belo som do instrumento. Sem dúvida, a vontade do regente era que a música fosse eximiamente executada pelos instrumentistas, ao lerem a partitura correta.

Algo semelhante sucede com os homens: para nós executarmos a magnífica “música” da vontade de nosso “Divino Regente”, Ele mesmo nos concedeu um “instrumento” sobrenatural chamado Graça e nos deu uma “partitura” claríssima chamada Os Dez Mandamentos da Lei de Deus.

Neste post contemplamos as três primeiras súplicas do Pai Nosso, por meio das quais todo cristão pede forças para praticar as virtudes que se dirigem diretamente a Deus: a Fé no seu Santo Nome, a Esperança de alcançar o seu Reino e a Caridade, ou seja, amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo (Cf. Mc 12, 30-31), resumo de toda a Lei.

Num próximo post, teremos a oportunidade de nos deter a respeito das outras quatro súplicas que faltam. Não o perca!

Texto: Sebastián Correa Velásquez

Fotos: Thiago Tamura Nogueira e Alejandro López Vergara

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