Shackleton, parte II: "… seus corações pararam de bater"

 Por Michel Six, 2º ano de Teologia, extraído do jornal do estudante Chez Nous

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a pequena embarcação Jamescaird

… Após chegarem à ilha Elephant, onde se estabelecem, Shackleton deixa alguns de seus homens nesta ilha, e parte num comando especial, de seis homens, com o objetivo ousado de atravessar, com uma pequena embarcação – o JamesCaird – um trecho de 800 quilômetros… Tratava-se de enfrentar a passagem de Drake, uma das zonas de pior condição meteorológica do planeta, de frio intenso e ventos com força de furacão,  varrida por ondas gigantescas, que parecem vir diretamente do céu:

 

À meia-noite, o próprio Shackleton assumiu o leme, enquanto Crean e McNeish ficavam embaixo para bombear a água [que sem parar entrava no barco, devido à agitação da água]. Seus olhos já estavam ficando acostumados com a escuridão quando ele se virou e viu uma faixa de brilho no céu, na direção da popa [o céu estava totalmente nublado]. Chamou os outros para lhes dar a boa-nova de que o tempo estava abrindo a sudoeste.

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Navio Endurance preso no gelo

Um instante depois ouviu um silvo[1], acompanhado por um ronco surdo e abafado, e tornou a virar-se. A abertura nas nuvens, na verdade era a crista de um gigantesco vagalhão[2], que avançava rapidamente na direção do barco. Virou-se e, instintivamente, abaixou a cabeça.

-Pelo amor de Deus, segurem-se – gritou. Está em cima de nós!

Por um instante, nada aconteceu. O Caird simplesmente subiu cada vez mais alto, e a trovoada surda daquele imenso vagalhão que se quebrava encheu o ar.

E então foram atingidos […]”

“Finalmente, porém, em torno das três da tarde, chegaram ao cume – uma calota de gelo azulado […].

A vista do alto revelava que a descida era praticamente tão impossível e assustadora quanto a primeira [montanha], só que dessa vez havia um perigo adicional. A tarde ameaçava, e um espesso nevoeiro começava a se formar no vale que descortinavam abaixo deles. Olhando para trás, viram que o nevoeiro também se aproximava do oeste.

 A situação era simplesmente terrível: a menos que descessem, morreriam de frio. Shackleton calculou que estavam a uns 1 500 metros de altitude. A essa altura, a temperatura à noite seria inferior a 20 graus negativos. Não tinham como se abrigar, e suas roupas estavam batidas e adelgaçadas pelo uso. […]

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Shackleton e Wild entre as cristas de gelo da banquisa

Rapidamente, Shackleton fez meia-volta e recomeçou a descer, seguido pelos outros. […] Andavam o mais rápido que podiam, mas não eram mais capazes de desenvolver muita velocidade. As pernas estavam moles e estranhamente desobedientes. […] Não havia mais tempo para hesitação, e Shackleton passou para o outro lado. Trabalhando furiosamente, começou a cavar degraus no gelo da encosta, descendo devagar, pé ante pé. Pouco a pouco, estavam descendo, mas avançavam muito devagar. […] Shackleton parou. Pareceu perceber, de um momento para o outro, a futilidade dos esforços que vinha fazendo. […] Cavou uma pequena plataforma com a enxó e chamou os outros para se juntarem a ele.

Não precisava explicar muito a situação. Falando depressa, Shackleton disse que simplesmente estavam diante de uma escolha inescapável: se ficassem onde estavam, morreriam de frio – dentro de uma hora, talvez duas, talvez mais. Precisavam descer – e a toda velocidade possível.

ernest-shackletonE sugeriu que descessem deslizando.

Worsley e Crean ficaram perplexos – especialmente pelo inesperado daquela solução desatinada estar sendo sugerida por Shackleton. Mas ele não estava brincando, sequer estava sorrindo. Estava falando sério – eles perceberam.

Mas e se batessem numa pedra?, perguntou Crean.

E podiam continuar onde estavam?, respondeu Shackleton, aumentando seu tom de voz.

A encosta, argumentou Worsley. E se não fosse plana? E se houvesse outro precipício?

A paciência de Shackleton estava quase esgotada. Novamente perguntou – podiam ficar onde estavam?

Era óbvio que não, e Worsley e Crean foram forçados, embora a contragosto, a admiti-lo. E nem havia qualquer outro modo de descerem. Assim tomaram a decisão. Shackleton disse que deslizariam juntos, agarrados uns aos outros. Sentaram-se depressa na neve e desamarraram a corda que os unia. Cada um transformou sua parte em rolo, para usar como assento. Worsley passou as pernas pela cintura de Shackleton e os braços por seu pescoço. Crean fez o mesmo com Worsley. Pareciam três passageiros de tobogã, só que sem o tobogã.

e-shackletonNo total levaram pouco mais de um minuto para ficar em posição, e Shackleton não lhes deu nenhum tempo para reflexão. Quando estavam prontos, deu o impluso com os pés. No momento seguinte, seus corações pararam de bater. Tiveram a sensação de ficar parados por uma fração de segundo e depois o vento começou a sibilar em seus ouvidos, enquanto corriam ao longo de uma extensão de neve de contornos indistintos. Descendo… descendo… Gritaram […].”

Após inusitada travessia lograram atingir o objetivo, em 10 de maio de 1916: a Ilha Geórgia do Sul. Dela tinham partido, em 5 de dezembro de 1914, e, nela pretendiam conseguir resgate para os demais membros da expedição. Tal ilha jamais tinha sido mapeada ou explorada, foi preciso atravessá-la, a fim de chegar à estação baleeira norueguesa.

 O mais incrível é que toda a história é real, e os mais conceituados autores ou exploradores dos pólos são unanimes em admitir que está é uma das páginas mais impressionantes da história do Pólo Sul e uma boa sugestão de leitura…

 


[1] Silvo: Qualquer som agudo e relativamente prolongado

[2] Vagalhão: Cada uma das compridas elevações da superfície de oceano ou mar, que se propagam em sucessão umas às outras, produzidas, em geral, pela ação do vento.

MAPA DE EXPEDIÇÕES

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L’expédition Endurance sur une carte de l’Antarctique tel qu’il est connu de nos jours.
Rouge : le voyage de l’Endurance (5 décembre 1914 – 19 janvier 1915)
Jaune : la dérive de l’Endurance prit dans les glaces (19 janvier 1915 – 21 novembre 1915)
Vert : après que le navire ait coulé, dérive sur le pack et voyage en canot vers l’île de l’Élephant
Bleu : le voyage du canot James Caird jusqu’en Géorgie du Sud
Turquoise : le trajet de l’expédition tel qu’il était prévu à l’origine
Orange : le voyage de l’Aurora (24 décembre 1914 – 7 mai 1915)
Rose : la prise dans le pack de l’Aurora et son retour, laissant sur place une partie de l’équipe
Marron : la mise en place des dépôts

 

* imagens: wikipedia