A descoberta do pólo sul
Creio que nenhum de nós foi ao Pólo Sul… Porém, essa região já foi palco de aventuras inusitadas, viagens ao desconhecido, histórias de naufrágios, resgates e explorações, onde, na maior parte das expedições, o que determina seu êxito é a diligência e o pulso firme de seu chefe. Dentre os inúmeros exploradores que a Antártida atraiu, destaca-se um: Sir Ernest Henry Shackleton, um oficial da Royal Navy, anglo-irlandês típico: fleumático, calculista, calmo ao extremo, mas de uma têmpera fora do comum e com grandes dotes de comando. Dele fez-se o seguinte elogio: “Para a lideran-ça científica, o melhor é Scott[1]; para viajar depressa e com eficiência, Amundsen[2], mas quando estiver numa situação perdida, quando parecer não ter saída, ponha-se de joelhos e peça a Deus que o seu chefe seja Shackleton”.
Tal dito se justifica, pois tendo sua expedição saído em agosto de 1914 e voltado à civilização somente em maio 1916, não houve, diante dos sucessivos desastres, quem se revelasse melhor capitão do que ele. Efetivamente, várias foram as peripécias dos tripulantes. Após terem zarpado da Ilha Geórgia do Sul, encontram, escondido no porão, um passageiro clandestino: o argentino Perce Blackboro, este constituía uma boca a mais para alimentar… Além disso o navio, Endurance, fora aprisionado pelo mar congelado, e, por causa da pressão deste, seu casco veio a romper-se, sendo inevitavelmente tragado pelo mar. Resultado: os 28 passageiros encontraram-se sem navio, numa região onde a média de temperatura no verão é de -25ºC na qual o recorde de calor já registrado foi de: -13,6ºC, e sendo de -89,2ºC frio mais intenso já observado.
Numa luta desesperada pela sobrevivência, os aventureiros foram forçados a acampar sobre a banquisa , à mercê da deriva do mar, por cerca de seis meses. Isto com apenas uma parte das provisões que foram salvas às pressas do navio, quando este foi a pique. Tal era a penúria e a fome que sofreram que todo ser vivo que deles se aproximava, era sofregamente capturado. O que se deu, por exemplo, com os pingüins cuja caça alcançou o cômputo de cerca de 600. Quando não caçavam, eram eles mesmos cobiçados pelas feras, como os terríveis leopardos-marinhos: “Era 3 de abril, 49º aniversário de McLeod. O grupo acabara de brindar à sua saúde no almoço quando uma cabeça de leopardo-marinho emergiu junto à borda da banquisa. McLeod, que era baixo e forte, aproximou-se do animal e começou a agitar os braços para imi- tar um pingüim. O leopardo-ma- rinho aparentemente se deixou convencer, porque pulou para fora da água e investiu contra McLeod, que fez meia-volta e saiu correndo. O leopardo-marinho deu mais dois ou três saltos para a frente e depois parou, aparentemente para examinar as outras criaturas que havia naquela banquisa. Sua distração foi fatal.
Wild fora buscar a carabina na barraca. Fez mira e atirou, e mais de 500 quilos de carne foram acrescentados à despensa.”Finalmente, tendo-se aberto a banquisa[3], foi possível lançar ao mar os três barcos que tinham sido recuperados do navio quando este afundara. Após sucessivas peripécias chegaram à ilha Elephant, onde se estabeleceram. Seus homens dicaram nesta ilha enquanto Shackleton partiu num comando especial, de seis homens, com o objetivo ousado de atravessar com uma pequena embarcação – o James Caird – um trecho de 800 quilômetros… Tratava-se de enfrentar a passagem de Drake , uma das zonas com as piores condições meteorológicas do planeta, de frio intenso e ventos com força de furacão, varrida por ondas gigantescas, que parecem vir diretamente do céu: “À meia-noite, depois de uma ração de leite quente, começava o turno do grupo de Shackleton, e o próprio Shackleton assumiu o leme, enquanto Crean e McNeish ficavam embaixo para bombear a água que sem parar entrava no barco, por causa da agitação do mar. Os olhos de Shackleton já es-tavam ficando acostumados com a escuridão quando ele se virou e viu uma faixa brilhante, na direção da popa, o céu estava totalmente nublado. Chamou os outros para lhes dar a boa-nova de que o tempo estava-se abrindo a sudoeste.
Um instante depois ouviu um silvo, acompanhado por um ronco surdo e abafado, e tornou a virar-se. A abertura nas nuvens, na verdade era a crista de um gigantesco vagalhão, que avançava rapidamente na direção do barco. Virou-se e, instin-tivamente, abaixou a cabeça. –Pelo amor de Deus, segurem-se – gritou. Está em cima de nós!Por um instante, nada aconteceu. O Caird simplesmente subiu cada vez mais alto, e a trovoada surda daquele imenso vagalhão que se quebrava encheu o ar.
Continua num próximo post…
Texto: Michel Six
[1] (1868-1912) Explorador polar britânico, que realizou duas expedições ao Ártico. Na primeira descobriu uma região inexplorada: “Terra do Rei Eduardo VII”. Na segunda chegou ao Pólo Sul mas, na volta, foi surpreendido por uma tempestade e morreu com mais quatro companheiros.
[2] (1872-1928) Explorador polar norueguês, foi o primeiro homem a chegar aos Pólos Sul e Norte. Foi igualmente o pioneiro na travessia da passagem do Noroeste. Desapareceu sobrevoando as cercanias do Pólo Norte, em 1928, numa missão de busca do pesquisador italiano Nobile em 2004 realizou-se uma expedição da Marinha Real da Noruega com o objetivo de encontrar os restos do hidroavião.