Artigo da semana: Quando se perde tempo admirando?

Escrito por Inácio Almeida – Estudante do Angelicum – Roma.

Após um nutritivo almoço de domingo, enquanto alguns se dirigiam aos aposentos para a tão reconfortante sesta, resolvemos rezar o Rosário caminhando nas proximidades da floresta que circunda o Thabor.

Naquela tarde, a natureza inteira parecia querer também cumprir o preceito do descanso dominical. Com o clima pouco propício às longas caminhadas, decidimos parar à sombra de uma frondosa árvore. Mal havíamos recitado as primeiras Ave-Marias do Rosário, um zumbido como de uma flecha desviou-nos a atenção.

colibriAo levantarmos os olhos, vimos um pequeno pássaro, ágil como o pensamento, que cortava o ar com manobras inesperadas. Suas asas, de tão rápidas, tornavam-se quase invisíveis. Tal era a sua beleza que, a nosso ver, esta ave parecia ter fugido por alguma brecha da porta do paraíso para vir habitar em nosso meio. Logo percebemos que se tratava de um colibri.

No mesmo instante, nos veio à mente o sermão pronunciado pelo Mons. João, que na manhã daquele domingo, dizia:“Deus enriqueceu todo o universo com uma imensa e harmoniosa diversidade de seres e o melhor modo de conhecermos a beleza do Criador é admirar a Pulchritude do universo por Ele criado”.

 O colibri, qual embaixador de Deus junto às solitárias flores, manifestava um desejo imenso de relacionar-se, de entrar em contato com aquelas flores, pois o Criador de todas as coisas é que lhes tinha dado o perfume, o colorido e o charme;

Também, se grande é o desejo do colibri encontrar a flor, infinitamente maior é o desejo que Deus tem de entrar em contato conosco. Ele se fez homem como nós e veio habitar em nosso meio. Um dia, os seus lábios divinos pronunciaram estas palavras: “A minha alegria é estar junto aos filhos dos homens”. Sendo assim, nossa alma deveria estar também repleta desta mesma alegria de conviver, de estar junto a Deus que se faz visível através de suas criaturas.

Quando ainda estávamos absortos nestas considerações, o sino da capela tocou nos convidando à oração. Porém, aquele pequeno visitante, assustado com este timbre que lhe era desconhecido, voou para longe, onde nossos olhos não mais podiam contemplar. Pouco tempo restava para fazermos a nós mesmos uma última indagação.

Será que não perdemos tempo em analisar esta ave junto à flor? Não teria sido melhor termos cumprido primeiramente o propósito de rezar Rosário? Por que não aproveitamos este tempo para “fazer as coisas práticas” de que o homem moderno tanto se ufana?

 Quanto à conclusão, esta tendeu para a negativa, pois segundo o Catecismo da Igreja Católica: “é sobretudo a partir das realidades da criação que se vive a oração“(CIC 2569). Convém lembrar também a bela frase de Santa Teresa do Menino Jesus: “para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado ao céu, um brado de reconhecimento e amor no meio da provação ou no meio da alegria”.  

Enfim, alguém poderia objetar que estes comentários nada possuem de “científico” e que carecem de maiores conhecimentos de zoologia e botânica. É verdade, entretanto, o homem não foi criado para ver a natureza como se ela fosse somente um imenso composto de fenômenos físicos ou de reações químicas, mas sim, para procurar as impressões digitais de Deus no Universo e fazer destas impressões uma prece “a Quem fez o céu e a terra”.         

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Já na capela, diante do Santíssimo Sacramento, rezando o Santo Rosário, estávamos inundados de uma alegria interior, pois aquela “oração” junto ao colibri, assegurou-nos que “a solidão é uma ilusão”, pois Deus sempre está conosco e a natureza nada mais é do que um grande livro que nos remete ao sobrenatural. Entretanto, é necessário que se saiba lê-lo.

E se, porventura, os céus da Judéia fossem também habitados por estas encantadoras aves, quiçá, o Poeta Divino depois de ter contemplado os lírios do campo, poderia ter dito: “olhai os colibris que voam no céu, eles não tecem nem fiam, entretanto eu vos digo, nem Salomão com toda a sua pompa se vestiu como eles…”